Mar de Sargaços - 2013 - foto de Fernando Costa
- Domingo que vem terei de votar para presidente da combalida República Brasileira...
- República?
- Tem certeza que o Brasil é uma República?
- Ou a pior das anarquias?
- Em quem votarei para presidente?
- E eu sei lá!
- Algum de vocês sabe?
- Acredito mais em niguém e vocês?
- Pensando na situação brasileira atual, a pior que já testemunhei, lembrei-me de um certo poema do Drummond.
- Qual?
- Qual seria senão "José?"
- Um dos poemas mais tristes que conheço.
Fernando Costa
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Drummond de Andrade
https://www.youtube.com/watch?v=1L9mZIxgaq0&ab_channel=lucianohortencio
- República?
- Tem certeza que o Brasil é uma República?
- Ou a pior das anarquias?
- Em quem votarei para presidente?
- E eu sei lá!
- Algum de vocês sabe?
- Acredito mais em niguém e vocês?
- Pensando na situação brasileira atual, a pior que já testemunhei, lembrei-me de um certo poema do Drummond.
- Qual?
- Qual seria senão "José?"
- Um dos poemas mais tristes que conheço.
Fernando Costa
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Drummond de Andrade
https://www.youtube.com/watch?v=1L9mZIxgaq0&ab_channel=lucianohortencio
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