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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

(19/1/2009) - Fúria e confusão - Diário da Vendée Globe 2008/09 - post 70






70° dia

Vendée Globe

fúria e confusão 

Boa noite amiga velejadora!

Especialmente pra você, que começou a acompanhar a Vendée Globe ontem, através do meu tresloucado diário, e que está com dificuldade pra compreender tudo que já se passou ao longo dos 70 dias que dura essa incrível, fantástica, extraodinária meta e mega regata, rebatizada de aventura humana, resolvi fazer hoje uma
retrospectiva, fartamente ilustrada, dos principais fatos que a marcaram.

RETROSPECTIVA PARCIAL E SIMPLIFICADA DA 6ª EDIÇÃO
DA VENDÉE GLOBE




9/11/2008

Trinta velejadores partem de Sables d’Olonne, no NW da França, às 13 h 02, com a intenção de realizar uma volta ao mundo em solitário, sem escalas, sem assistência e passando pelos três míticos cabos Boa Esperança, Leewin e Horn.
Os dois velejadores suíços Dominique Wavre  do “Temenos II” e Bernard Stamm do “Cheminées Poujoulat” regressam ao porto de origem para consertos. O primeiro com problemas elétricos e o segundo com danos estruturais por ter abalroado um cargueiro.



10/11/2008

A passagem de uma frente fria pelo golfo de Gasconha gera ventos de 35 a 45 nós mais ondas de 7 metros de altura, causando avarias diversas em vários veleiros. “Aquarelle.com” de Yannick Bestaven e « Groupe Bel » de Kito de Pavant quebram seus mastros.
Alex Thomson comunica seu abandono à direção da prova, em função de uma colisão do seu veleiro "Hugo Boss" com um OFNI, o que lhe causou sérios danos estruturais.
“Foncia » de Michel Desjoyeaux apresenta vazamento num tanque de lastro, o que provoca um curto circuito a bordo, obrigando-o a regressar a Sables d’Ollonne, para conserto.


11/11/2008

O veleiro “DCNS”  de Marc Thiercelin, um dos open 60 mais novos e belos da flotilha perde o mastro a NW do cabo Finistère.



23/11/2008

O “Delta Dore” do Jérémie Beyou tem duas cruzetas do mastro quebradas. Seu skipper não se julga em condições de conserta-las, com os recursos de bordo, abandona a regata alguns dias depois e ruma para o porto de Recife.



10/12/2008

Loïck Peyron um dos velejadores mais experientes da flotilha, a atual edição da Vendée Globe e franco favorito para vencê-la, anuncia a quebra do mastro do seu sofisticado e novo "Gitana Eighty", quando velejava em terceira posição, a 650 milhas ao sul das ilhas Crozet, no oceano Índico.



12/12/2008

Novamente e quase que ao mesmo tempo, os veleiros dos dois suíços, apresentam novas avarias. Ruptura da cabeça de quilha do “Temenos II” de Dominique Wavre e excesso de jogo nos lemes do “Chéminées Poujoulat” de Bernard Stamm. Ambos abandonam a prova nas ilhas Kerguelen. Sendo que Dominique Wavre consegue navegar com as velas rizadas rumo à longínqua Austrália, após ter imobilizado a quilha de “Temenos II”, enquanto que Bernard Stamm teve a infelicidade de ter seu open 60 “Chéminées Poujoulat” jogado sobre as pedras de uma das ilhas Kerguelen, por ventos de mais de 40 nós.



15/12/2008

O veleiro “Paprec-Virbac 2” de Jean-Pierre Dick que liderava na ocasião a regata, abalroa um OFNI quebrando a barra de ligação entre seus dois lemes. O velejador ruma ao norte em busca de ventos mais fracos e ondas menores, conserta, após um imenso esforço, os lemes do seu barco, volta a disputar a regata até o dia 31/12/2008, quando um segundo OFNI destrói um dos lemes do seu azarado open 60, obrigando-o a abandonar definitivamente a prova.



16/12/2008

O velejador inglês Mike Golding que acabara de assumir a liderança da regata, perde o mastro do seu  veleiro “Ecover” ao sabor de ventos de 50 nós. Obrigado a abandonar a regata, ruma para a Austrália, distante de 1000 milhas da posição onde se encontrava, após improvisar uma mastreação de fortuna.
Michel Desjoeaux do “Foncia” assume a liderança após uma antológica corrida de recuperação, ao longo da qual ultrapassou todos os seus concorrentes. Isto após ter passado 44 horas em última posição atracado em Sables D’Olonne, durante o conserto das avarias já citadas.
Jean-Baptiste Dejeanty, o mais jovem velejador participante da regata, a bordo do “Maisonneuve”, um open 60 construído no Brasil, abandona a regata após enfrentar vários problemas técnicos a bordo. Mau funcionamento dos pilotos automáticos e usura prematura das adriças das suas velas, por exemplo.



18/12/2008

Yann Eliès do “Generali” fratura o fêmur e várias costelas durante uma manobra na proa do seu veleiro. Sem condições de se mover a bordo e portanto de se alimentar, o velejador é resgatado 48 horas depois por uma fragata da marinha Australiana, após receber o providencial apoio psicológico de Marc Guillemot do “Safran”, no que pode ser considerado um dos capítulos mais dramáticos e emocionantes da regata até a presente data. O veleiro “Generali” abandonado em pleno oceano será declarado perdido em 29/12.



26/12/2008

O veleiro “BT” de Sébastien Josse, outro franco favorito para vencer a regata, vira e quase emborca, ao sabor de fortes ventos, com rajadas de 65 nós e ondas de arrebentação de seis metros de altura. Os danos estruturais causados e a perda de alguns instrumentos de navegação o obrigam a abandonar a regata três dias mais tarde.



29/12/2008

O veleiro “Algimouss-Spirit of Canada” de Derek Hatfield dá com o mastro n’água, durante uma tempestade no oceano Índico, quebrando duas cruzetas, o que obriga o velejador canadense a abandonar a regata e rumar para a Austrália.

  

4/1/2009

O velejador inglês Jonny Malbon desiste da regata e arriba, rumo à Nova Zelândia, em função de uma série avarias verificadas no seu open 60, as quais ele vinha tentando contornar ou remediar há vários dias. Perda da bolina de boreste no choque com um cetáceo, vela grande em frangalhos mais dificuldades na recarga das baterias do seu belo "Artemis".



5/1/2009

Michel Desjoyeaux em primeiro e Roland Jourdain em segundo lugar dobram o cabo Horn, após 57 dias de regata.



6/1/2009

O veleiro “VM Matériaux” do Jean Le Cam, que ocupava a terceira posição, capota a 200 milhas a W do cabo Horn e acaba sendo resgatado pelo Vincent Riou, que tem um dos outriggers dos seu open 60 “PRB” quebrado durante a operação de salvamento e em conseqüência perde o mastro do seu veleiro, dobrando o cabo Horn no dia seguinte. Através uma decisão inédita, surpreendente e salomônica do Juri Internacional da regata, Vicent Riou conquista de forma extraordinária o terceiro lugar antecipado da regata.



13/1/2009

Nas imediações do cabo Horn os velejadores Brian Thomson  Dee Caffari e Arnaud Boissières, que teve seu veleiro por duas vezes virado, conseguem se salvar da mais violenta tempestade da regata, que assolou aquelas remotas e perigosas paragens com ventos fortes e rajadas que ultrapassaram os 60 nós, provocando ondas de até 10 metros de altura, graças a três estratagemas diferentes, traçados com a providencial ajuda da direção da prova.



18/1/2009

Michel Desjoyeaux do ágil veleiro “Foncia” completa o 33° dia consecutivo na liderança da regata, abrindo uma distância de 500 milhas sobre o segundo colocado, seu companheiro de infância Roland Jourdain, que só não lhe garente o primeiro lugar na atual e 6ª edição da Vendée Globe porque, como dizia minha sábia avó Balbina, uma regata só acaba quando termina. Até lá tudo, absolutamente tudo pode acontecer. Seja como for o professor Desjoyeaux já roubou todas as cenas deste evento extraordinário das mais diferentes formas. A última delas consiste em fazer prognósticos dos quais todos duvidam e que no entanto se realizam. Um deles foi mais ou menos o seguinte. “Eu só perco se meu barco sofrer um acidente grave, mas isto é muito pouco provável.”

Guerrear? Jamais! Regatear? Esporadicamente. “Velejar por velejar”? Sempre!

Bons ventos amigas e amigos

Fernando “Estrela d’Alva” Costa

MOITESSIER DOBRANDO O CABO HORN
Décima segunda “estrofe” do "poema" em versos livres MOITESSIER DOBRANDO O CABO HORN que escrevi, utilizando metade das palavras do próprio Moitessier, em seu clássico “O LONGO CAMINHO”, traduzido pela Carmen Ballot e publicado pelas Edições Marítimas.
estrofe 12

tenho a impressão que o vento aumentou de força
isto me amedronta
auando o vento se intensifica ao largo do cabo Horn
nunca se sabe que numeral ele vai atingir
30, 40, 50, 60, 80 nós?
na verdade o que me dá mais medo não é o vento
mas as vagas que o vento semeia
e o que me apavora de verdade não são
os ventos e as vagas reais
o que realmente me apavora são as terríveis frases que Victor Hugo escreveu num certo capítulo de
OS TRABALHADORES DO MAR
quer um bom conselho amigo velejador?
se você for velejar não beba
se beber não veleje
vai mais um?
se você pretende navegar não leia Victor Hugo
e se você leu Victor Hugo não navegue
confesso a vocês que o que mais me apavora
não é a mar nem o vento
é o que Victor Hugo escreveu sobre a mar e o vento
Em OS TRABALHADORES DO MAR
toda vez que uma nuvem escura aparece no horizonte
toda vez que a mais suave brisa começa a refrescar
as terríveis palavras de Victor Hugo me assaltam
me assediam, me molestam, me aterrorizam enfim
porque?
primeiro porque ninguém escreveu tão bem sobre a mar e o vento quanto ele
depois porque passo fatalmente a não ver o que está acontecendo, mas o que poderá acontecer
o medo mor é do porvir amigos, não do presente
em vez de correr do bicho, passo a fugir da sombra do bicho
se é que me entendem.
curiosos?
curiosos pra ler uns extratos?
dou-lhes alguns extratos!
extratos do aterrorizante capítulo
“Os Ventos do Largo” de
OS TRABALHADORES DO MAR
do grande Victor Hugo
“a cova dos ventos é mais monstruosa que a cova dos leões
os ventos combatem esmagando...
e cometem coisas horrorosas que parecem crimes
às vezes parece que cospem em deus
alternam em sentidos inversos os turbilhões
sopram hálitos frios, seguem-se hálitos quentes
a trepidação da mar anuncia um medo que tudo espera
inquietação
angustia
terror profundo das águas
subitamente o furacão como uma besta, desce a beber no oceano
a água sobe para a boca invisível
forma-se uma ventosa
incha o tumor
é a tromba!
coito medonho da vaga e da sombra
tudo é fúria e confusão
a brisa
a rajada
a borrasca
o temporal
a tempestade
a tromba!
as sete cordas da lira do vento
os ventos fazem ladrar as vagas que são seus cães...”
entenderam porque estou morrendo de medo amigos marujos?
não é do vento nem da mar
mas do que Victor Hugo escreveu sobre o vento e a mar
sinto esse medo terrível em qualquer lugar dos oceanos
Índico, Pacífico, Atlântico, Mediterrâneo
em qualquer mar
em qualquer braço de mar
que tudo é mar
mas em especial dobrando o cabo Horn em solitário
por volta da meia-noite
tenho vergonha de confessar não
qual humano não tem medo da morte?
pois que a vida é bela e uma só

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