- Salve amigas e amigos velejadores!
- Aqui quem lhes fala é o canoeiro-solitário da Costa do Sol.
- Aqui quem lhes fala é o canoeiro-solitário da Costa do Sol.
- Lembram-se de mim?
- Meu nome é Fernando Costa e meu inseparável veleirinho-artesanal-manufaturado-interativo-mutante-primitivo-sofisticado é a humilde-cascuda
canoa-alada "Estrela d'Alva".
- Casco de madeira e compensado naval. Mastro em alumínio-reciclado-de 470. "Asas" em Prolan feitas sob medida pela Cognac Velas. Talvez o único cutter-bermudiano-de-fortuna ativo neste paradisíaco pedaço verde-esmeralda de MAR.
- E aí?
- Já ouviu falar de mim?
- Já prezado velejador?
- Acha que temos algo em comum, além do fato de nos utilizarmos da mais sutil forma de energia, para deslizarmos sobre as águas?
- Hein?
- Não?
- Sim?
- Engano seu!
- Porque enquanto você se limita a velejar em volta das famosas três bóias, a bordo do seu Snipe altamente técnico, em companhia de seu fiel proeiro, meu prazer é "velejar por velejar", em solitário, a bordo de uma canoa recalcitrante contra qualquer estatuto.
- Tá ligado na minha liberdade sem fronteiras?
- Aposto que não.
- Pois saiba que "velejar por velejar" é como pensar... Você vai onde quiser e ninguém tem nada com isso. Aliás ninguém fica nem sabendo onde você foi. Só você mesmo sabe onde você foi, quando foi, como foi, o que viu, o que sentiu, o que pensou enfim . Às vezes... Creio que não vai entender isto. Mas as vezes "velejando por velejar" nem você mesmo sabe onde foi...
- Porque?
- Porque a liberdade é alucinógena.
- Gosta de liberdade não?
- Prefere o promíscuo-condomínio-conjugado à casinha solteira no meio da mata?
- Prefere amargar um engarrafamento na ponte Rio-Niteroi a cruzar o inóspito deserto de Atacama a toda brida?
- Prefere velejar na lagoinha rasa e calminha de sempre à aventura
de afrontar a MAR revolta ?
- Despreza a quitandinha do agricultor em prol do super-mercado-básico-de-sempre?
- Gosta mais de ser funcionário público que profissional liberal?
- Dá mais valor à esposa balofa, lerda e costumeira do que à
namoradinha esguia, arisca e efêmera?
- Prefere contemplar o teto branco do seu claustrofóbico apartamento, em vez do céu super estrelado das noites dormidas ao relento, sobre
o convés de um veleiro rústico?
- Prefere amargar insônias ao som do funk tocado alto no bar da esquina, ao deleitoso sono embalado pela eterna orquestra oceânica?
- Prefere olhar deprimido pros fios de alta-tensão da rede elétrica citadina, do que hipnotizado pra linha enfeitiçante do horizonte marítimo?
- Dispensa suco de laranja naturalmente doce, em prol da famigerada cola-cola. Esse açucarado xarope vagabundo?
- Feita de quê? Alguém sabe coca-cola, é feita de quê?
- Feita de quê? Alguém sabe coca-cola, é feita de quê?
- Gosta de cheirar fumaça quente de óleo diesel em vez do ar
puro e fresco dos oceanos?
- Gosta de comer um insosso filé de merluza descongelado, em vez de um delicioso xerelete recém pescado e frito por você mesmo?
- Prefere enfim os veleiros fabricados em série aos artesanais?
- Todos iguaizinhos?
- Saídos da mesma forma?
- Sem nenhum direito às licenças poéticas?
- Escravos obedientes às rigorosas regras da Isaf?
- É brother, enquanto você faz das tripas coração, como diria minha avó Balbina, pra cruzar a linha de chegada de uma regata qualquer, um décimo de segundo à frente dos demais concorrentes e ganhar uma medalhinha de falso-ouro a mais, meu prazer é circunavegar uma das vinte ilhas que se estendem entre Arraial do Cabo e Rio das Ostras uma vez mais antes de morrer. É doce morrer na MAR... Nas águas verdes da MAR... Espero que seja mesmo.
- Conhece alguma além da dos Papagaios?
- Hein?
- Fala a verdade, que mentir é feio.
- Conhece alguma ilha, além da ilha dos Papagaios, a mais próxima de Cabo Frio?
- Eu conheço todas de passar bem perto.
- De tirar fino nas pedras. De raser les cailloux como dizem os franceses.
- De tirar fino nas pedras. De raser les cailloux como dizem os franceses.
- Posso apresentá-las a você?
- Quer?
- Se quiser é só falar.
- A única coisa que temos em comum, colega velejador, é mesmo o fato de nos utilizarmos da mais sutil forma de energia, do combalido planeta Terra, para deslizarmos sobre as águas.
- Só isso.
foto - Henrique Souza
- Ué, mas isso já é uma grande coisa e um ótimo começo.
- Num mundo infernizado por zilhões de veículos poluentes a motor, cruzar com um barco à vela é uma benção.
- Dá cá a mão! Selemos nossa única semelhança com um aperto de mão, que só nós velejadores sabemos dar. Firme, honesto e otimista. Corra quantas regatas quiser com seu Snipe altamente técnico que eu continuarei a circunavegar as belas-ilhas-selvagens-da-Costa-do-Sol a bordo da minha canoinha marginal e irregular, até que Netuna dê cabo de mim. Se servir de consolo a "Estrela d'Alva" vista de longe parece um olímpico "470". Parece mas não é! É bem mais lenta e livre. Mais livre do que lenta. Melhor ser lenta e livre que ligeira e escrava. Há algum prazer em correr pra lá e pra cá, dentro da jaula infecta de um zoológico qualquer? Há? Fala a verdade, que mentir é feio. Há? Prazer, prazer de verdade há em partir por aí à fora livre, leve, solto e com todas as velas ao vento...
Vento que balança as palhas do coqueiro
Vento que encrespa as ondas da MAR
Vento que assanha os cabelos da morena
Me trás notícia de lá
Fernando Mendes
Extrato da newsletter nº 2 de 5/6/2009. – Projeto “Estrela d’Alva”.
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