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segunda-feira, 28 de maio de 2012

(28/12/2008) - Morrendo de fome na MAR - Diário da Vendée Globe 2008/09 - post 49





48° dia
 vendée globe 
Morrendo de fome na mar

 
Marc Guillemot conseguiu consertar, sem assistência, o trilho do mastro do seu albatroz-hightech “Safran”  e já retornou à regata todo feliz, todo contente, todo orgulhoso de si próprio. Encontrar solução em plena mar, para um problema importante
que nos agulha há tempos a bordo, faz um enorme bem pro ego. Concordam?

Bom dia amigas e amigos velejadores

 regatistas,
 cruzeiristas,
"poetas,
seresteiros,
namorados
correi!"
 aventureiros,
desde os skippers dos sofisticados open 70
aos timoneiros de primitivas canoas à vela!
que o sol nasceu pra todos, a divina mar a todos pertence e a morte não poupará nenhum de nós ao

fim da vida.

Michel Desjoyeaux, o professor, o ogro, o maestro, o tubarão-martelo- esfomeado- de-vitórias voltou a brilhar realizando a mais longa singradura das últimas 24 horas, com a marca de 337 milhas e recuperou de 30 a 50 milhas que seus perseguidores mais próximos lhe haviam surrupiado durante a passagem do último ciclone, que lhe foi desfavorável em termos de direção do vento.
 Mas enquanto o fenômeno, o assombro, o espanto que já ultrapassou todos os demais concorrentes pelo menos uma vez nesta regata, segue em frente ileso, intato, incólume, vendendo saúde, autoconfiança e bom humor, o cordão dos problematizados cada vez aumenta mais. Falemos, se me permitem, desses últimos. Não dos 12 que já abandonaram a prova, mas de 5 dentre os 18 que continuam a disputá-la. Ahhh... Lembrei-me de uma surpreendente façanha que o professor Desjoyeaux realizou ontem à noite e que passou despercebido. Não sei se vocês notaram, mas pra não perder, nem um segundo, orçando inutilmente contra um vento bastante forte que soprava de N, ele passou exatamente em cima do limite extremo direito do “ice gate” da Nova Zelândia. Salva de palmas pro professor que ele merece!!! Ele merece! Ele merece! Pronto, agora podemos falar dos problematizados.

O CORDÃO DOS PROBLEMATIZADOS


problematizado n° 1 – Derek Hatfield,  skipper do “Algimouss-Spirit of Canada” que vinha velejando em 16° lugar ( ante-penúltimo ) na regata.

avaria – quebra de duas cruzetas quando o veleiro deu com o mastro n’água, esta noite, atingido por um vagalhão* sob 40 nós de vento. 

situação atual – Com velas bem rizadas, o velejador navega à velocidade de 7 nós rumo à Hobart, atualmente a 1000 milhas pela sua proa. Abandonará prova? Tentará consertar o dano com os limitados recursos de bordo e continuará a disputar a regata? Pedirá ajuda de terra e será desclassificado? Não sabemos. Coisas futuras. O próprio velejador ainda não sabe. Ninguém sabe.

´´´´´´´´´´

problematizado n° 2 -  Sébastien Josse, skipper do “BT” em cujas velas negras vai escrito o belo slogan “ Let’s make a better world”, “Vamos fazer um mundo melhor” e não “por um mundo melhor” como eu escrevi no meu último post.

avaria - Piloto automático claudicante + lemes desalinhados + rachaduras no teto da cabine + anemômetro perdido. Danos esses ocorridos durante a noite de sexta-feira quando o veleiro foi nocauteado por um vagalhão* só conseguindo se reerguer depois que o juiz chegou ao algarismo  cinco.

vagalhão * - ( “déferlante” em francês ou “breaking wave”, “freak wave”, “monster wave” , “extreme wave” , “rougue wave” em inglês, dependendo do caso ) 

 situação atual - Sébastien Josse, vulgo Jojô, ruma para Nordeste em busca de uma área de ventos fracos e ondas menos avantajadas para poder fazer uma boa reavaliação das avarias sofridas pelo veleiro e também da sua capacidade para consertá-las.  Após o que, utilizando suas próprias palavras, dependendo do que for decidido, ligar o pisca-pisca direito ou esquerdo.

´´´´´´´´´´´´

problematizado n° 3 - Marc Guillemot, skipper do “Safran”, que tão bem desempenhou o papel de anjo da guarda do acidentado Yann Eliès, há cinco dias atrás.

avaria - Quebra do trilho do mastro, ocorrida há mais de uma semana atrás, impedindo a vela grande de subir até o tope do mastro.

situação atual -  Encontra-se fundeado em algum lugar do arquipélago Auckland tentando resolver o problema com os recursos de bordo. ( Escrevi isto ontem à noite. ) Hoje de manhã li com prazer que ele obteve êxito total no conserto, após 12 horas ralando ( leiam o relato completo no site da Vendée Globe – vale a pena! ) e já levantou âncora e voltou a participar da regata, em nono lugar. Maravilha isto, não amigos? Solucionar um problema crucial , resolver uma questão medular, consertar uma avaria grave e urgente, com os recursos de bordo de um veleiro e voltar a velejar alegremente com tudo em cima. A gente fica tão feliz. Se sente tão importante. Principalmente quando a solução é criativa. Melhor ainda quando somos obrigados a nos superar para obter êxito, como foi o caso do bravo Marc Guillemot, que trabalhou em parte durante a noite, debaixo de chuva e muito frio, numa região tão inóspita, deserta e selvagem. Alegria maior que esta, imagino, só pescar um bom peixe com a última isca, quando estivermos morrendo de fome na mar. Dose extra de caipirinha, mais uma bandeirola em cetim cor salmão da “Estrela d’Alva” para o Marc Guillemot, pela segunda vez nesta regata. E não se esqueçam que ele faz parte do clube dos cinco + admirados ( por este humilde canoeiro que vos fala ) ao lado de Michel Desjoyeaux** *, Bernard Stamm**, Jean-Pierre Dick** e Samantha Davies*.

problematizado n° 4 - Raphaël Dinelli skipper do « Fondation Océan Vital », veteraníssimo marujo de alta mar, participando pela quarta vez da Vendée Globe.

avaria – lazy jack de boreste arrebentada + tala quebrada + adriça da grande bastante desgastada.

situação atual – Continua a participar da regata com restrições e já conseguiu substituir a tala e consertar a lazy jack, mas deve rumar para ilha de Stewart, à sombra da qual tentará resolver o problema da adriça, no mesmo local em que o famoso Yves Parlier,  reconstruiu o mastro do seu veleiro, entrando definitivamente para a legenda da Vendée Globe, como personagem de uma das suas estórias mais curiosas. A propósito Michel Malinovsky, regatista inveterado disse  que “ Só a vitória é bela”. Bernard Moitessier, aventureiro arraigado afirmou que “Só a aventura é bela”. Yves Parlier vota em Moitessier e eu idem. E você amigo velejador?

problematizado n° 5 - Jean-Pierre Dick skipper do « Paprec-Virbac II ». 

avaria - quebra da estrutura que interliga os lemes, mais a fixação de um deles ocorrida há 12 dias atrás quando o velejador liderava a prova.

situação atual – O conserto foi realizado há cinco dias atrás com os recursos de bordo e em pleno oceano. Aparentemente o veleiro reconquistou ao menos noventa por cento do seu potencial original, mas a questão que nos assalta a mente o tempo todo é. – Até que quando esta gambiarra resistirá aos tremendos esforços exercidos pela virulenta mar do oceano austral?

Conhecidos todos os marujos problematizados, a pergunta que lhes faço é a seguinte, qual deles tem mais chance de completar o longo percurso da regata, que para o absoluto líder Michel Desjoyeaux ainda falta 10 000 milhas a percorrer?

Boa pergunta pra uma cartomante, se as cartomantes fossem capazes de prever o futuro. Já vimos que elas não o são. Ainda bem que não. Que graça teria viver uma vida previsível, num mundo previsível? Que graça teria acompanhar uma regata previsível num planeta de meteorologia previsível? Que graça teria partir para uma aventura marítima na Região dos Lagos a bordo de uma canoa alada, se soubéssemos com antecedência todos os percalços e prazeres que iríamos sofrer ou degustar?
Bendita seja a divindade que fez o futuro incognoscível, indecifrável, indevassável, imprevisível. Garantindo-nos assim essa imensa excitação que só a ignorância do futuro propicia.

 
O dia de amanhã poderá nos reservar a morte ou uma boa velejada. Mas só amanhã saberemos disso. Por isso, que por via das dúvidas, devemos sempre dar uma boa velejada ainda hoje e jamais deixá-la pra amanhã.


Gosta de poesia amiga leitora? Sim? Presentinho atrasado de Natal pra você. Aceita? Extrato da bela e imensa Ode Marítima. Conhecia? Não? Gostou? Que bom. Fico Feliz.

ODE MARÍTIMA

Toda a vida marítima! tudo na vida marítima! 
Insinua-se no meu sangue toda essa sedução fina 
E eu cismo indeterminadamente as viagens. 
Ah, as linhas das costas distantes, achatadas pelo horizonte!   
Ah, os cabos, as ilhas, as praias areentas! 
As solidões marítimas, como certos momentos no Pacífico  
Em que não sei por que sugestão aprendida na escola  
Se sente pesar sobre os nervos o fato de que aquele é o maior dos oceanos  
E o mundo e o sabor das coisas tornam-se um deserto dentro de nós! 
A extensão mais humana, mais salpicada, do Atlântico!  
O indico, o mais misterioso dos oceanos todos! 
O Mediterrâneo, doce, sem mistério nenhum, clássico, um mar para bater 
De encontro a esplanadas olhadas de jardins próximos por estátuas brancas!   
Todos os mares, todos os estreitos, todas as baías, todos os golfos, 
Queria apertá-los ao peito, senti-los bem e morrer!

Álvaro de Campos

Bons ventos a todos

Fernando “Estrela d’Alva” Costa

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