42° dia
Vendée Globe
costurando a própria língua
Yann Eliès desafiou o Índico pra briga e acabou apanhado feio: Fêmur + algumas costelas fraturadas. Mas já foi resgatodo e passa bem, obrigado!
Para o amigo leitor
que não leu as últimas páginas do meu tresloucado diário, transcrevi um resumo dos quatro primeiros tópicos no final do post.
- Quais tópicos desligado leitor?
- Meus tópicos prediletos da Vendée Globe.
- Como assim?
- As dez coisas que mais admiro nesta regata fora do comum que é a Vendée Globe, tá ligado?
Aproveitando a providencial trégua que Éolo deu aos 18 concorrentes que continuam a disputar esta acidentada 6ª edição da Vendée Globe, comentarei o 5° item da minha lista de 10 guloseimas vendéeglobianas.
N° 5 – ESTÓRIAS MIRABOLANTES
Sou fascinado, amigos, por boas estórias de aventuras, ( quem não é? ) e a Vendée Globe que já soma 782* dias é rica de 1001 estórias de aventuras radicais que fariam inveja ao roteirista do mais mirabolante filme de James Bond.
Eis alguns exemplos!
1 – a incrível estória do salvamento do Raphaël Dinelli ***
2 – a fantástica estória do desaparecimento do Gerry Roufs**
3 – a extraordinária estória do salvamento de Tony Bullimore*
4 – a incrível estória da gênese da regata
5 – a fantástica estória do conserto do mastro por Yves Parlier
6 – a extraordinária estória do pai da regata: Phillippe Jeantot
7 – a incrível estória do salvamento do Philippe Poupon
8 – a fantástica estória da costura da própria língua por Bertrand du Broc
9 – a extraordinária estória do desaparecimento de Mike Plant
10 – a incrível estória do afogamento de Nigel Burgess
11 – a fantástica estória do resgate do Yann Eliès, que ocorreu ontem.
Curiosidade* : o somatório dos tempos de duração das 5 edições da regata ( se é que eu não me enganei nas minhas contas ) é de 740 d 21 h 50 min 45 seg. Como foi que cheguei a este valor? Somando o tempo de percurso dos últimos concorrentes a regressar ao porto de Sables d’Olonne, nas cinco edições já realizadas da regata.
Sobre a impressionante estória do resgate do Yann Eliès ontem de manhã, o desempenho do comandante + tripulação da ágil fragata australiana “Arunta” é digno dos maiores louvores. Tudo foi perfeito, exceto por um detalhe. Qual detalhe? Não sei se devo mencioná-lo. Talvez o faça mais adiante. O que mais apreciei foi o toque de elegância final. Uma cestinha de natal enviada de presente para Marc Guillemot, o anjo da guarda do Yann Eliès e forte concorrente ao título de campeão mundial de solidariedade. – Curiosos pra saber o que continha a cesta? Um pão fresquinho + três laranjas + uma garrafa de vinho tinto + um boné personalizado. O tempo da operação de traslado do marujo vitimado para o nave salvadora, não ultrapassou os 45 minutos, apesar das monumentais ondas que rolavam na ocasião e a maior dificuldade encontrada, pasmem, foi localizar o passaporte do Yann Eliès no seu armário todo desarrumado.
- Chegou a hora de apontar o único senão da operação, na minha humilde opinião.
Respondendo à entrevista concedida a um dos jornalistas do site da regata o comandante da “Arunta” declarou que...
Não, não, não é hora de criticar. É hora de elogiar.
Parabéns bravos marujos da fragata “Arunta”! Oxalá vocês jamais partam pra divina mar pra realizar outra missão, que não seja o salvamento da preciosa vida humana. Partir pro mar pra dar tiro de canhão e disparar mísseis contra nossos próprios irmãos terráqueos é inaceitável. Todos os seres vivos são filhos da Terra e portanto irmãos de sangue.
Derramar este sagrado sangue é ilógico, é absurdo, é cruel. E as razões não importam. A guerra é a maior das incongruências, pra não dizer imbecilidades humanas, segundo meu filósofo predileto, Michel de Montaigne. Houve uma guerra chamada de “Guerra Santa”, cujo objetivo era retomar Jerusalém das mãos dos invasores muçulmanos.
Pois bem, nem mesmo esta guerra ele justifica. Segundo Montaigne mil vezes mais inteligente que a guerra é a competição esportiva, que foi inventada pelos preclaros gregos a título de sublimação do violento ato de guerrear. Tá irado meu irmão? Tá a fim de exibir sua valentia? Tá querendo provar que você é mais macho que os outros machos? Faz o seguinte. Inscreva-se na próxima Vendée Globe e saia na porr... perdão, saia no braço com Éolo/Netuna. É com a cana do leme de um veleiro numa das mãos e a escota da grande na outra, sozinho, à noite, no meio de uma tempestade, sem ter com quem gritar, sem ter a quem dar ordens, sem ter a quem pedir ajuda, que se prova a verdadeira valentia. Marujo valente, marujo valente de verdade é o que completa o longo percurso de 24 000 milhas náuticas da rainha das regatas. Confesso a vocês que odeio guerras e gosto, com algumas restrições, de três regatas: Vendée Globe, Veleiros Clássicos de Búzios e Pé de Vento. Mas sinceramente, o que eu mais gosto no final das contas, é de velejar por velejar, a bordo da minha fiel e pequenina “Estrela d’Alva”, entre Arraial do Cabo e Búzios, partindo de Cabo Frio. Também adoro velejar sozinho na linda e imensa Lagoa de Araruama, mas tenho medo de contrair uma doença grave e ser obrigado a parar de viver=velejar. Uns dizem que a lagoa está poluída, outros dizem que não está. “Na dúvida, abstém-te” ensinou Montaigne, meu filósofo predileto, não se esqueçam.
Pra quem se perdeu no meio do labirinto da minha argumentação, aqui vai um resuminho. Guerra jamais! Regata talvez... Velejar por velejar, sempre!
Agora me bateu uma tremenda curiosidade. Será que o grande Torben Grael, que acaba de confirmar sua liderança na VOR, alguma vez já velejou por velejar? Sabe como é? Sentado no fundo de um veleirinho de fortuna qualquer, olhando a paisagem distraidamente, alheio à regulagem das velas e despreocupado de cruzar a linha de chegada na frente dos demais concorrentes. Até porque não haveriam concorrentes, nem linha de chegada, nem comissão de regata, nem medalhas, nesta hipotética tarde de terça-feira. Nada, absolutamente nada, a não ser o vento, a divina mar e o silêncio de um barquinho à vela deslizando sem rumo nem pressa. Quando encontrar com ele pela primeira vez no mundo real, vou oferecer-lhe minha canoa alada emprestada, coisa que nunca fiz com ninguém, nem mesmo com seu igualmente célebre irmão . Quem sabe se ele não aceita? E quem sabe se velejando minha humilde “Estrela d’Alva”, o grande Torben Grael tome gosto, desista de correr regatas e decida passar o resto da vida velejando por velejar. Foi mais ou menos isso que Diógenes fez. Proprietário de muitas terras, várias mansões, bastante dinheiro no banco, deu um pé em tudo e foi morar pelado num barril, só pra poder pensar mais. Como pensar é parecido com velejar...
Bons ventos amigas e amigos
E até amanhã se deus quiser.
Fernando “Estrela d’Alva” Costa, o maluco da canoa alada
apêndice
Quatro razões para amar a Vendée Globe.
n° 1 – ENUNCIADO RADICAL
A Vendée Globe é uma regata de volta ao mundo em solitário, sem escalas, sem assistência e passando pelos três temíveis cabos Boa Esperança, Leewin e Horn.
n° 2 – ACLAMAÇÃO APOTEÓTICA
A retumbante aclamação digna de um herói grego, com a qual o democrático e entusiástico povo de Sables d’Olonne brinda a chegada de cada velejador que completa o longo percurso da regata VENDÉE GLOBE, ao longo do famoso canal de acesso ao porto da cidade.
n° 3 – SOLIDARIEDADE HUMANA
Os velejadores que travam entre si uma violenta batalha sem trégua, durante mais de oitenta dias pra vencer a regata Vendée Globe, transformam- se de pronto em anjos da guarda dos mais zelosos, uns dos outros, em caso de emergência.
n° 4 - MARUJOS EXCEPCIONAIS
Toda edição da Vendée Globe revela alguns marujos de exceção, que nos servem de modelo e fonte de inspiração para continuarmos progredindo na arte zen de velejar.
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