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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Afogado x Morto-Vivo - extrato da newsletter nº 2 de 2009


Estrela d'Alva - a canoa alada - Cabo Frio - 18/1/2010 
 Foto de Benno Grapentin



EM BRASILEIRO

Não sei se vocês já tiveram notícia, mas nossa última aventura foi pro Arquipélago dos Papagaios, que inclui as ilhas dos Papagaios, Dois Irmãos, Redonda, Comprida, Capões, Pargos, Breu, Emerência de Fora e Emerência de Dentro, dispersas no interior de um círculo de 10 milhas de diâmetro.
Essa foi, amigos, nossa mais longa aventura desde que começamos a "velejar por velejar", há cinco anos atrás, ao longo da bela Costa do Sol, eu e minha inseparável "Estrela d'Alva".
Ao escrever inseparável "Estrela d'Alva" pensei em todas as pessoas que insistiram comigo ao longo do tempo...
- Fernando porque você não compra outro veleiro?
Engraçado é que essas pessoas sempre queriam que eu comprasse o veleiro que elas ou o amigo delas estava vendendo na ocasião... Deixemos isso de lado, que não vivo em busca de conflitos e sim do inenarrável prazer viver em paz. Mas será que essas pessoas não perceberam que não teria graça nenhuma realizar essas minhas pequeninas-grandes aventuras a bordo de um veleiro-titular, saído prontinho da prancheta de um renomado arquiteto naval e mumificado sob o pomposo título de "classe internacional reconhecida pela Isaf".
Que graça teria circunavegar as vinte ilhas da Costa do Sol a bordo de um Melges 24 de autoria do idôneo Reichel Pugh ? Hein? Nenhuma! Minto. Teria graça sim e muita. Circunavegar uma ilha selvagem a bordo de qualquer veleiro tem sempre graça, mas nem sempre constitui aventura. Aventura, aventura de verdade é isso que tenho feito. Circunavegar as vinte ilhas da Costa do Sol a bordo de uma canoinha alada toda reinventada, de 4,87 m de comprimento ( 6 metros com o gurupés, viu seu Joel Damasceno? ) por 1,30 m de boca máxima, com um mastro de 6,90 m e uma imensa área vélica de 16 m2 que faz o meu antigo e fiel colaborador "Aguavel" se inquietar toda vez que me vê dobrar a ponta da Lajinha ou da Jararaca.
Querem saber o que o grande Lars Grael disse a respeito, da única vez que tive o privilégio de falar com ele?
"- É... se você fez tudo que diz que fez a bordo dessa canoa, é surpreendente."
Ao que eu rebati de bate pronto.
"- Mais surpreendente foi o Lars Grael acidentado, ameaçar de perto a vaga olímpica do incólume Robert Scheidt na Star."
Queria dizer e já disse a vocês que esta última foi nossa mais longa aventura. Trinta dias dentro d'água, já descontados todos os tempos das escalas, que foram numerosas e somaram 96 horas ou quatro dias no total. Passamos dez dias circulando dentro do cada vez mais poluído e fétido canal de Itajurú, a título de "aquecimento" e mais vinte entre a praia do Peró e o arquipélago dos Papagaios.
Além de longa, levando em consideração a duração das anteriores, essa última aventura foi acidentada e incômoda, apesar de bastante divertida.
Pra mim, amigo velejador, se eu conseguir evitar que a "Estrela d'Alva" vire de cumbuca pra cima, vá pro fundo ou pras pedras, tudo é festa.
A "viagem" foi incômoda por conta do caos meteorológico que se instalou sobre o Brasil há mais de cinco meses. Não sei se vocês perceberam, mas durante os 30 dias que durou minha aventura rolou de tudo. O vento soprou de Sul, de Sudeste, de Sudoeste, de Leste, de Oeste, de Nordeste. Do alto pro baixo. De baixo pra cima. De todas as direções possíveis. Felizmente raras vezes forte. As ondas eclodiram de todos os lados. Os vagalhões varreram a costa e fizeram os autofundos ferverem. Os surfistas deliraram. Nuvens de chuvas surgiam de repente em meio a céus azuis ou estrelados. Cheguei a orçar com mar de popa. Velejei no empopado com mar de proa. Naveguei com vento de través com ondas açoitando o costado da canoa de ambos os bordos. Teve um dia que o céu estava azul e ao mesmo tempo coalhado de nuvens negras, a bombordo chovia, a boreste o sol brilhava, a bombordo o vento soprava pela bochecha, a boreste pela alheta e pra enfeitar ainda mais o pavão meteorológico, um arco-íris pairava no zênite. Por conta desse pandemônio muita adrenalina circulou no meu sangue quente, provocando as mais variadas emoções.

Sei tudo que a vela
É capaz de me dar
Eu sei já sofri
Mas não deixo de velejar
Se chorei ou se sorri
O importante
É que emoções eu vivi...

Falemos de algumas dessas emoções?

MEDO - A única coisa que devemos temer é o medo, mas não tenho vergonha de confessar que tive medo de passar entre os dois caninos do "Javali das Emerências" não. Ali, amigos, o swell se agiganta e beira a arrebentação. Foi a única vez que gritei com a "Estrela d'Alva".
- Vamos dançar "Estrela"!
- Que nada, "caça na crista e folga no cavado" e deixa o resto comigo!
- Olha pro tamanho daquele trem de ondas "Estrela"!
- Já falei! "Caça na crista e folga no cavado" e deixa o resto comigo que eu resolvo!
- Se entrar de repente o SW que a estação Atalaia anunciou estamos f... %$@#& "Estrela".
- Entra não! Tenha fé em Deus meu rei!
Felizmente o SW não entrou e nós conseguimos chegar mais mortos que vivos ( de medo ) à "Toca dos Tucuns" onde passamos a pior noite da expedição com as ondas nos assolando de três em três minutos .

COMPAIXÃO - Pesar que em nós desperta a infelicidade, a dor, o mal de outrem; piedade, pena, dó, condolência. ( Aurélio ) - Ao adentrar a "Toca dos Tucuns" perseguidos de perto pelos vagalhões notamos que...
- Veja só "Estrela"!
- Fala! O quê?
- Pescadores nos espreitando com binóculos...
- Nunca vi disso.
- Nem eu.
A explicação para esta raridade, pescadores observando velejador com binóculos, constituiu a maior surpresa da aventura. Dez pessoas esperavam há dez dias pelo corpo de uma pescador de encosta que havia sido deglutido pela ressaca. Por ironia do destino em vez do corpo do morto arribamos nós os mortos-vivos ( de medo ).

AFLIÇÃO - A aflição é um sentimento de agonia, sofrimento intenso, preocupação ou desassossego por alguma causa ou coisa em que vá afetar a nossa vida direta, ou indiretamente. ( Wikipedia ) - No dia 24/4 - sexta-feira eu tive a cintilante idéia de ancorar a "Estrela d'Alva" com uma Bruce pela proa e uma Danford pela popa.
- Pra que isso? Perguntaria surpreso mestre Nils. - Pra manter a canoa na única área da "Búlica de Pedra" da ilha de Pargos protegida dos ventos fortes de NE, que vinham nos exaurindo há mais de 48 horas. Aconteceu que enquanto eu dormia, o céu estrelado foi invadido de repente por um imenso cúmulo nimbo cuja base começava nas colinas do Peró e se estendia umas duas milhas pra leste da ilha. Quando acordei por volta da meia noite já era tarde demais. O vento tinha rondado e a chuva desabou poucos segundos mais tarde. A nuvem semeou uma penca de violentíssimos raios sobre nós. Raios capazes de... capazes de cegar cego, se me permitem a expressão . A sequência deixo por conta da imaginação de vocês que o autor nunca deve contar tudo ao leitor.
Falei do medo, da aflição, da compaixão faltou falar do encantamento diante das belezas que se vê o tempo todo na mar. Já lhes disse que a mar é uma mulher fatal, que nos mata a golpe de beleza, não disse marujos? Teve uma madrugada... na ilha de Pargos... por volta de 4 horas da manhã... Que vi a lua crescente compondo uma cena tão bela junto com o planeta Vênus, mais uma estrela, mais uma nuvem negra de chuva que pensei com meu botões. - Deus é um artista multimídia!

Extrato da newsletter nº 2 de 5/6/2009. – Projeto “Estrela d’Alva”.

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