74º dia
Vendée Globe
mulheres grávidas de marujos
O brilhante, o genial, o mágico, o intocável mestre Desjoyeaux revelou hoje, para grande surpresa de todos, que escapou por pouco de sofrer uma grave avaria, a bordo do seu tyranosaurus rex alado "Foncia", no dia de Natal, entre 11 e 16 horas, que te-lo-ia obrigado a abandonar a prova. Inquirido pelos jornalistas a respeito, criou suspense, limitando-se a prometer que mostraria uma
prova do ocorrido quando chegasse a Sables d'Olonne.
Muito bom dia amigas e amigos velejadores
Não sei se vocês estão ligados, mas a atual e sexta edição da incrível, fantástica, extraordinária Vendée Globe, já entrou para a História como:
> A que contou com o maior número de participantes, 30 contra os 20 da edição anterior, até então a mais concorrida.
Notícia de hoje: - Hoje à noite, Lady Dee festejará seu aniversário de 36 anos a bordo do “Aviva”, dentro de uma belo vestido preto inglês e certamente bebendo uma boa dose de whisky do bom. Se ela não estivesse tão longe de Cabo Frio
( 500 milhas ) iria até lá, a bordo da “Estrela d’Alva”, cumprimentá-la e dar-lhe de presente uma bandeirola em cetim salmão personalizada da minha querida canoa alada. Aposto que Lady Dee ia adorar. Uma mulher sozinha há 74 dias no mar, não recusa carinhos nem de um simples macaco, quanto mais de um meta-orangotango esclarecido que nem eu.
>> Aquela que teve a participação do maior número de veleiros novos 20, contra 6 da edição anterior, se não me falha a memória. Confirmem por favor no excelente site da regata.
>>> A que teve o maior número absoluto de abandonos, 18 contra os 10 da edição de 1996/97, enquanto que o maior percentual de abandonos, 62,5 % continua a pertencer àquela e não à atual, que já registra 60%.
>>>> Aquela que viu a maior e mais eficaz corrida de recuperação que se tem notícia, a de mestre Desjoyeaux, que chegou a ficar a 671 milhas na esteira do então líder da regata para posteriormente ultrapassar a todos e apoderar-se definitivamente ( até o momento ) da liderança.
Notícia de hoje: - Fissurado atrás de um ventinho térmico Marc Guillemot passou a menos de 13 milhas das praias cariocas.
>>>>> A que impôs o mais longo percurso da regata até então , 24 840 milhas náuticas, 1 160 a mais que a edição anterior, em função da adoção dos portões de gelo.
>>>>>> Aquela em que um grande número de velejadores lançou mão do estratagema de velejar em dupla, para melhor vencer os imensos obstáculos que esta hercúlea MARatona opõe a seus participantes. Exemplos? Vincent Riou & Armel Le Cléac’h, Dee Cafari & Arnaud Boissières e Samantha Davies & Brian Thomson.
>>>>>>> A que contou com a participação de dois velejadores que partiram de Sables d’Olonne pela quarta vez para disputá-la: Marc Thiercelin e Raphaël Dinelli.
>>>>>> Aquela que testemunhou uma violência inédita do oceano Índico na opinião da maioria dos participantes mais experientes da regata.
Notícia de hoje: - o professor Desjoyeaux abre 517 milhas do seu colega de infância Bilou.
>>>>> A que registrou o maior número de trocas de líderes, 26, se não me falha a memória. Confirmem por favor no excelente site da regata.
>>>> Aquela em que a comunicação entre os concorrentes foi mais intensa e assídua durante a regata, graças ao telefone satélite e ao e-mail/internet.
>>> A que contou com o maior número de velejadores não franceses, 13 contra os 11 da quarta edição no ano 2000.
>> Aquela em que foi batido o recorde de singradura da regata, com a marca de 466 milhas, percorridas em 24 horas, ao sul da Austrália por Michel Desjoyeaux.
Os recordes das edições anteriores pertenceram a
1989 - Titouan Lamazou com 304 milhas
1992 - Alain Gautier com 339 milhas
1996 - Yves Parlier com 374 milhas
2000 - Dominique Wavre com 430 milhas
2004 - Roland Jourdain com 439 milhas
Nota – O recorde de distância percorrida em 24 horas a bordo de um Open 60 IMOCA continua a pertencer a Alex Thomson tanto em solitário quanto em dupla.
Em solitário é de 468.72 milles / 24h a uma velocidade de média de 19.53 nós
> A que poderá conhecer seu primeiro bicampeão se o genial Michel Desjoyeaux vencer.
>> Aquela que registrou o seguinte e monstruoso recorde de experiência acumulada, pelo conjunto de participantes: Os 30 velejadores totalizam 32 voltas ao mundo e 21 Vendée Globes disputadas. Entenderam? Pensem um pouquinho que vocês entenderão.
Notícia de hoje: - a 700 milhas a NW do Horn, Steve White, leu e se emocionou com o discurso de Barack Obama, que ele classificou de brilhante.
>>> A que viu a 5ª Samantha Davies e 6ª Dee Cafari mulheres a dobrar o cabo Horn numa regata em solitário.
>>>> Aquela em que um velejador registrou a mais curta participação da regata. A marca anterior pertencia a Patrick de Radiguès em 2000, que encalhou em algum lugar da costa de Portugal após 4 dias de mar.
E aí amigo leitor, satisfeito com essa generosa dose de dados numéricos, você que ao contrário da minha humilde pessoa, mais ama os algarismos que as letras? Espero que sim.
De presente pra você amiga leitora, que vota comigo, simpatizando mais com as letras do que com os números escrevi mais uma estrofe do meu “poema” MOITESSIER DOBRANDO O CABO HORN. Vide em anexo.
Bons ventos a todos e até amanhã se deus quiser
se não quiser a lagoa de Araruama, poluída pra uns, despoluída ( será? ) pra outros está aí mesmo.
Fernando “Estrela d’Alva” Costa
MOITESSIER DOBRANDO O CABO HORN
Décima terceira “estrofe” do "poema" em versos livres MOITESSIER DOBRANDO O CABO HORN que escrevi, utilizando metade das palavras do próprio Moitessier, em seu clássico “O LONGO CAMINHO”, traduzido pela Carmen Ballot e publicado pelas Edições Marítimas.
estrofe 13
as velas com todas as forras de rizes recortam-se contra o céu claro de sua mais alta latitude
as ondas pontudas mais se assemelham a dentes de tubarão esfomeado
ouço o ronco surdo do casco de “Joshua” que luta com a mar
a mar está toda branca
o céu está todo branco
meus cabelos estão ficando brancos
sinceramente não sei onde estou
corremos muito tempo além das fronteiras do demais “Joshua” mais eu
nunca senti meu barco tão poderoso
nunca ele tinha-me dado tantas emoções fortes
há mais de 36 horas que não tiro meu impermeável
a gola do meu pulôver está ensopada d’água gelada
minhas calças idem
meu jantar foram duas latas de sardinha engolidas às pressas
mas não me sinto cansado não...
sinto-me bem obrigado
melhor que nunca
as recordações da minha infância envolvem-me
semelhantes a vagas quentes...
as longas corridas descalço nas florestas da Indochina
atrás do mel selvagem
as picadas das abelhas
as caçadas com bodoques
a mar verde-esmeralda-transparente do golfo de Sião
vista de bordo da
minha rústica canoa à vela
querem saber o que é um barco à vela, amigos?
uma não-máquina de pensar!
não-máquina porque pra mim toda máquina tem de ter motor pra ser considerada máquina
motor, essa invenção horrorosa
que custa caro
que cheira mal
que polui a água
que polui o ar
que polui o som
que é pesada demais
e que quando a gente mais precisa dela, pifa
e pensar que tem tanta gente que não vive sem motor
estou dando uma volta ao mundo sem motor a bordo
acreditam?
sabem o que acontece?
sem o maldito barulho do motor a gente consegue pensar
não tenho feito outra coisa senão pensar
recordar-me do passado
ler e escrever
desde que comecei esta alucinante viagem
é estranho como este céu do cabo Horn
se parece com o da Indochina
ohhhh! pena que vocês não viram
nem vão ver mais
nem vão acreditar se eu contar
mas um pálido arco-íris acaba de se formar
qual efêmero diadema
por sobre o gurupés de “Joshua”
à luz da lua
já tinham visto um arco-íris lunar amigos?
ha ha ha agora fui obrigado a rir
“Joshua” levou um tremendo caldo de uma onda
depois sacudiu-se todo lembrando um cão
livrando-se da água que lhe encharcava o pelo...
não imaginam o quanto amo meu barquinho
lépido e arisco ele salta de vaga em vaga
mais parecido com um monotipo de 4 metros
do que com um ketch de aço de 16 metros e 13 toneladas
corajoso "Joshua" segue em frente
sempre em frente rumo ao terrível Horn
indiferente aos grandes perigos que corre
teríamos já dobrado o cabo Horn amigo “Joshua”?
como sabe-lo se ainda não inventaram o GPS?
estamos em 1968 amigos, não se esqueçam
temos GPS ainda não
no momento astros, estrelas e lua não nos faltam
mas cadê o horizonte?
não, não eu saberia...
ainda não dobramos o Horn
mais tarde
um pouco mais tarde
temos de esperar
marujos e mulheres grávidas vivem de esperar
o vento amainou
vou acender o fogareiro e fazer um café?
servidos?
( continua num próximo post )
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