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sábado, 19 de maio de 2012

25/12/2008) - Mosquitinho com olhos gigantescos - Diário da Vendée Globe 2008/09 - post 46




 46°dia
Vendée Globe
mosquitinho com olhos gigantescos
  A dia de Natal foi penoso para a já bastante desfalcada flotilha da Vendée Globe e a noite pior ainda: ventos fortes com rajadas ( 40 a 60 nós ), mar caótica, ondas monumentais, chuva torrencial, raios, neve, o diabo! Felizmente nenhum novo acidente digno de nota foi registrado até o momento.
Salve amigas e amigos velejadores
Novidade! Tenho uma novidade! Mudança no pódio da regata. Jean Le Cam apoderou-se do terceiro lugar que pertencia a
Sébastien ( Jojô ) Josse, mas o tubarão-maestro continua a reger com muito estilo a cada vez mais afinada orquestra-flotilha da Vendée Globe, apesar de estar enfrentando neste exato momento uma indigesta depressão ciclônica, grávida de ventos de 40 nós e perdendo terreno para Roland Jourdain.
-Porque cada vez mais afinada?
- Ora amiga, leitora, ainda não percebeu que quanto mais se veleja, melhor se veleja?
- Verdade?
-  Claro!
-  E o que acontece quando a gente veleja melhor?
-  Sente ainda mais vontade de velejar.
-  É?
-  Óbvio! Daí a origem do meu paradoxo: “Você veleja pouco porque veleja pouco.” Percebe?
-    O princípio sim, mas o paradoxo não.

-  Explico. Se é verdade que quanto mais você veleja, melhor veleja e que quanto melhor você veleja mais sente desejo de velejar, quem veleja pouco, veleja cada vez pior, e velejar mal é tão desagradável que a pessoa acaba velejando cada vez menos, até parar de velejar.
-  Agora entendi. Mas porque uma pessoa que possui veleiro, veleja pouco, se velejar é tão agradável?
-    Normalmente por fatores alheios à sua vontade. Trabalho, família, falta de dinheiro pra sustentar o veleiro, falta de guarderia quando o veleiro é pequeno e falta de tripulação quando o veleiro é grande. Percebe?
-  Sim.
-  Com licença?
-  Toda.
-  Como vocês sabem, depois do triplo desastre sofrido pelo meu antigo favorito Bernard Stamm...
-  Que triplo desastre foi esse?
- Vejo que a amiga leitora é desatenta ou só começou a ler meu estranho diário da Vendée Globe hoje.
O Bernard Stamm, amiga, primeiro abalroou um cargueiro ( 9/11 ), depois sofreu avaria de leme ( 10/12 ) e por fim teve seu bólido alado jogado em cima das pedras ( 13/12 ). Só não foi mais infeliz nesta regata que o Yann Eliès que fraturou o fêmur mais algumas costelas. ( 18/12 )
-  Onde foi isso?
-   Isso o que?
-   O encalhe do Bernard Stamm?
-   Num dos mais inóspitos e longínquos lugares deste planeta.
-  Diga.
-   Ilhas Kerguelen ou arquipélago da Desolação se preferir.
- Só o nome já apavora. E atualmente?
- Viaja em companhia do seu albatroz-hightech ferido, a bordo do  "Marion Dufresne", se maldizendo dia e noite diante de um muro das lamentações virtual.
-  O que é que ele resmunga durante as lamentações?
-  Porque que não fui pra Austrália?
-  Porque que não fui pra Austrália?

-  Porque que não fui pra Austrália?
-  E porque você acha que ele não foi pra Austrália?
-  Sonho de grandeza! Sede de nomeada. Pretendia consertar os lemes do seu Open 60 o quanto antes, voltar pra prova, mesmo desclassificado e vencê-la. Entraria pra História como o primeiro desclassificado- campeão da Vendée Globe e autor de uma corrida de recuperação ainda mais fantástica que a do tubarão-professor. Eis porque ele não foi pra Austrália. Em consequência quase perdeu o veleiro e a vida nas geladas e inóspitas Kerguelen.
- Coitado! A sede de nomeada, tem razão, expõe os efêmeros humanos a mil e um tormentos, desde que o mundo é mundo, já dizia o velho do Restelo. Obrigada pelas informações.
-  De nada!
Bem, mas como eu dizia a vocês, após o abandono do Bernard Stamm, meu novo favorito é o cação-agressivo Roland “Veolia Environnement” Jourdain, que encontra-se em segundo lugar na competição.
Mas confesso que secretamente torço pelo tubarão-maestro Michel Desjoyeaux, que se vencer a prova será o primeiro bicampeão da Vendée Globo e ao mesmo tempo autor da mais fantástica e bem sucedida corrida de recuperação da história da regata.
-  Que corrida de recuperação foi essa? Desculpe mas é a primeira vez que leio seu diário.
-  Sabia. Seja bem vinda ao seleto e diminuto clube dos meus leitores,
-  Uai? Porque diminuto, pensei que fosse grande.
-  Diminuto porque escrevo demais e nós brasileiros detestamos ler.
-  Ué se sabe disso, porque não passa a escrever pouco, pra agradar seus leitores?
-  Tentei, não consegui. Minha paixão pela vela é muito recente. E todo novo apaixonado é prolixo e monomaníaco por natureza. Posso continuar meu discurso?
-  Por favor.
-   Vou confessar-lhes uma fantasia impossível, queria ser um mosquitinho com olhos gigantescos, embarcado no “Foncia”, só pra observar as centenas de precisos e harmônicos movimentos que o Michel Desjoyeaux realiza por minuto, no governo do seu bólido alado.  Velejar bem, amigos, requer inteligência, muita atenção, agilidade e timing perfeito. Ou seja reflexos em dia. Em dia é pouco. Em hora, em minuto, em segundo, em décimos de segundo. Tudo depende da velocidade do vento. Velejar bem, amigos, é parecido com dançar. O que muda é a escola e o estilo do velejador. O Torben Grael, suponho, é  bailarino clássico, o Lars contemporâneo e o Scheidt moderno. Ou será que me engano? Decerto que me engano, pois que minha experiência como velejador é insuficiente pra qualificar a escola e o estilo de dança de tão exímios bailarinos. Digo exímios como sinônimo de distintos, eminentes, excelentes, insignes.
-  E você? Qual sua escola e estilo?
-  Eu? Quem sou eu? Eu danço o samba do crioulo doido em cima da minha canoa alada “Estrela d’Alva”.
- Ha ha ha ha!
-  Mas durante o churrasco da charmosa 3ª Regata de Barcos Clássicos de Búzios realizei minha primeira verdadeira exibição pública. Ainda insipiente, ainda claudicante. .. mas... Viu?
- O quê?
- Eu e meu proeiro Aguavel* dando show em cima da Estrela em frente ao ICAB?
-  Não, mas estou curiosa pra ver. Que foi que vocês fizeram?
-   Uma porção de manobras diferentes.
-  Conta!
-   Velejamos em todos os ventos, orça, través, largo e empopado. Cambamos pela proa e em roda. Tiramos fino dos barcos fundeados. Velejamos, eu, timoneiro, em pé na popa da canoa, ele, proeiro, em pé na proa. Velejamos com a Estrela adernada no ângulo máximo.  Arremessamos e recuperamos a bóia circular. Aquartelamos. Realizamos um recolhimento "real" de "homem ao mar". O show todo deveria conter 20 números. Mas como os grandes Alain Adler, Lars Grael,  Kiko Pellicano, entre outros velejadores importantes, faziam parte da nossa potencial platéia, optamos por pecar por falta, do que correr o risco de pagar mico. Ou seja, limamos os números mais ousados. 

-  Fizeram bem, mas fiquei curiosa pra assistir o próximo show de habilidades da “Estrela d’Alva”.
-  Pode deixar que lhe convido. Seu telefone é?
-   Gosto de telefone não, anota meu mail.
- Sim?
- scheherazade31@hotmail.com
-   Feliz Natal Scheherazade!
-   Feliz Natal Fernando!
Fernando "Estrela d'Alva" Costa


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