44° dia
Vendée Globe
Rei dos brinquedos - Feliz natal!
"A meteorologia previu 30 nós de vento pela proa para o dia de Natal, vai ser um inferno." Assinado: Samantha "Roxy" Davies
Salve amigas e amigos velejadores
Queria antes de tudo dizer-lhes que este diário sobre a Vendée Globe, que lhes tenho escrito com prazer, tem os seguintes objetivos:
- Aprender mais sobre a difícil arte zen de velejar em solitário.
- Partilhar com vocês minha profunda paixão pela Vendée Globe.
- Diverti-los e divertir-me. Pra mim, escrever e ler é divertidíssimo. E penso que quem sabe ler ( é o caso de vocês ) tira sempre proveito até de quem não sabe escrever ( é o meu caso ).
Mas se os amigos preferirem velejar em vez de ler-me eu compreenderei, porque prefiro velejar a escrever-lhes. Velejar é melhor que pensar, que escrever, que ler, que... não, não, melhor que isso que vocês pensaram agora não é não. Velejar é ótimo, mas é a segunda melhor coisa do mundo.
- Fazer publicidade do meu humilde projeto "Estrela d'Alva".
- Encarecer o prazer de "velejar por velejar". Pelo amor de Netuna, amigos, não pretendo ofender os "regatistas" quando sublinho o prazer de velejar por velejar dos "canoeiros de fortuna". Minha implicância confessa é só com os lancheiros, ou melhor com os lancheiros que ameaçam a integridade física dos velejadores irresponsavelmente. ( Quando digo isso, penso de pronto na preciosa perna amputada, de um dos maiores velejadores brasileiros de todos os tempos e sinto uma dor aguda na minha perna direita.) Mas quando o lancheiro é prudente, é responsável, é gentil e compassivo eu gosto dele numa boa. Querem um exemplo? Dou-lhes um exemplo. O Camerino, dono da "Klin Limpeza Pura", que apoia o projeto "Estrela d'Alva", é gente finíssima e dirige sua lancha e seu jet-ski com toda civilidade e prudência.
Mas falemos de nossa paixão comum, amigos. Falemos da fantástica Vendée Globe que o tempo urge.
Pensando ontem na Vendée Globe lembrei-me do Inferno. Não sei se vocês estão ligados, mas no alto da porta do INFERNO de Dante vão escritos estes terríveis versos aqui, ó:
"POR MIM SE VAI À CIDADELA ARDENTE,
POR MIM SE VAI À SEMPITERNA DOR ,
POR MIM SE VAI À CONDENADA GENTE.
SÓ JUSTIÇA MOVEU O MEU AUTOR,
SOU OBRA DOS PODERES CELESTIAIS,
DA SUMA SAPIÊNCIA E PRIMO AMOR.
ANTES DE MIM NÃO FOI COISA JAMAIS
CRIADA SENÃO ETERNA, E, ETERNA, DURO.
DEIXAI TODA ESPERANÇA, VÓS QUE ENTRAIS! "
Dante, descido ainda vivo ao Inferno em companhia de Virgílio, logo após cruzar-lhe o pavoroso portal nos confessa:
"Ali, suspiros, queixas e lamentos
cruzavam-se pelo ar, na escuridão,
fazendo-me hesitar por uns momentos.
Línguas estranhas, gíria em profusão,
exclamações de dor, acentos de ira,
gritos, rangidos e bater de mão,
faziam um ruído tal que eu nunca ouvira,
no nevoeiro sem fim se propagando,
como a areia que um turbilhão expira.
E eu, que de horror a fronte ia baixando,
- Mestre, indaguei, os ais que ouço o que são?
Que gente é essa em dor deblaterando? "
Se me permitem, amigos, responderei por Virgílio:
- Essas pessoas que sofrem tanto são os pobres-ricos marujos da Vendée Globe, que ainda atravessam, neste exato momento e a duríssimas penas o sinistro oceano ÍNDICO + os que já quebraram ou se quebraram tentando atravessá-lo.
Pensando bem...
o INFERNO é o oceano ÍNDICO
o PURGATÓRIO o PACÍFICO e
o PARAÍSO o ATLÂNTICO.
Isso pros marujos que disputam a Vendée Globe. Concordam?
Pra mim que tenho o privilégio de velejar na Costa do Sol /Região dos Lagos a bordo de uma canoinha de nada...
O inferno é o cabo Búzios mais o focinho do Cabo.
O purgatório é o canal dos Papagaios mais o través das ilhas Emerências.
E o paraíso o belo braço de mar que vai do Forte de São Mateus à ilha de Cabo Frio em Arraial do Cabo.
Digo isso de modo geral, que na divina mar o céu vira purgatório e o purgatório inferno rapidinho e em qualquer lugar, de qualquer dos oceanos. Também pode acontecer o contrário. Tudo depende do humor de Éolo. Netuna sem a influência do temperamental Éolo está sempre serena e sorridente.
Foi isso que pensei ontem, após enfrentar uma certa tempestade em terra. Nada de original, dirão vocês. E eu concordo. Mas já tentaram pensar em algo original debaixo de tempestade?
A propósito, acabei de ler estarrecido o drama vivido pela tripulação do veleiro "Guardian" no Pacífico... De doer!
"...não deu tempo de caçar a mestra para evitar as batidas...o vento entrou com tudo e o mastro não resistiu à pressão e partiu-se... "
João Sombra, 20/12/2008
Bons ventos amigas e amigos e que o precioso mastro do veleiro de vocês jamais se quebre.
Ah, ia-me esquecendo do mais importante.
Feliz Natal e paz... muita paz... que a pior das pazes é melhor que a melhor das guerras.
Se você que me lê for uma criança de qualquer idade, que Papai Noel lhe dê, em vez do celular, videogame ou boneca de sempre, o rei dos brinquedos. Um barco à vela!
E me desculpem por ter falado do inferno no dia de Natal. Falei mal do inferno, mas depois falei bem da paz. Bem está o que bem acaba. Concordam?
Fernando "Estrela d'Alva" Costa
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