40° dia
Vendée Globe
Solidariedade Humana
-Tô na área, pode contar comigo
meu irmão! Disse o solidário Marc Guillemot aquartelado a menos de uma milha do
acidentado Yann Eliès.
Salve amigas e amigos velejadores
Vocês já devem ter percebido que
sou um aficionado pela Vendée Globe.
- Desde quando?
- Desde o ano 2000 quando estive na
França e comecei a ouvir aqui e acolá este nome mágico “Vendée Globe” que eu
entendi como “Vents du Globe”. Além da agradável sonoridade do nome, o que me
encantou de pronto foi o belo prefixo musical que antecedia as transmissões
radiofônicas sobre a regata. Mas na época meus interesses estavam voltados noutra
direção e eu não me liguei na mágica “Vendée Globe”. O certo é o Vendée Globe, que significa o
Globo da Vendée, sendo Vendée o nome de um departamento da França, em sua costa
noroeste. Tempos depois li “Le Roman du Vendée Globe” de Christophe Agnus e
Pierre-Yves Lautrou, que despertou minha paixão pela regata.
Mas nada se compara com aventura
de acompanhar dia após dia o desenrolar da prova, ao longo desta 6ª e
riquíssima edição, no substancial site da regata.
http://www.vendeegl obe.org/fr
Tenho lido todos os artigos, "flash
infos" e "magazines". Tenho visto todas as fotos e muitos
vídeos, mas acima de tudo ouvido as imperdíveis “vacations radio”. ( em francês
para os concorrentes franceses e em inglês para os demais )
Nas “vacations radio”, amigo,
você ouve vários jornalistas, velejadores importantes, organizadores da regata,
mais convidados especiais e mesmo crianças, alunas de várias escolas francesas
entrevistarem diretamente os velejadores, onde quer que eles estejam navegando.
- Oh admirável mundo novo. Como
os homens são belos!!!
- Bem, de tudo que sei atualmente sobre
a Vendée Globe, dez tópicos me encantam.
Já lhes falei do n° 1 – O
simples, sucinto, ímpar e ousadíssimo enunciado da prova.
REGATA DE VOLTA AO MUNDO EM SOLITÁRIO,
SEM ESCALAS, SEM ASSISTÊNCIA E PASSANDO PELOS TRÊS MÍTICOS E TEMÍVEIS CABOS BOA
ESPERANÇA, LEEWIN E HORN.
O que pra mim se traduz como a
forma de navegar mais elegante, rápida, inteligente, ecologicamente correta e
moderna do mundo.
- Porque?
- Analisemos um único desses tópicos, a
modernidade da regata.
a – Há 6000 anos que os homens
navegam na mar, sempre em equipe. Os velejadores da Vendée Globe velejam em
solitário, novidade que não chega aos 2% do total, pois que há apenas 115 anos,
que o primeiro homem ( Joshua Slocum ) realizou a primeira volta ao mundo em
solitário, a bordo de um veleiro . ( Vocês já se deram conta do quanto um
velejador, mais respectivo veleiro precisam evoluir, em todos os sentidos, até
serem capazes de realizar uma volta ao mundo em solitário? )
b – Há 600 séculos que os homens
navegam na mar, sempre próximos à costa e na maior parte das vezes em viagens
curtas em duração e distância. Trata-se da rudimentar navegação de cabotagem.
Os cascudos marujos da Vendée Globe realizam uma volta inteira ao planeta Terra
sem escala e velejando a maior parte do tempo, longe, muito longe de
terra.
C – Há 60 décadas que os homens
da mar navegam dependentes dos homens de terra, para o reabastecimento d’água e
mantimentos, para realizar consertos os mais diversos, para se medicarem etc.
Os velejadores da Vendée Globe são auto-suficientes, e só pedem ajuda em caso
de emergência e perigo iminente, no que são automaticamente eliminados da
prova.
Já lhes falei do n° 2 – A retumbante
aclamação digna de um herói grego, com a qual o democrático e entusiástico povo
de Sables d’Olonne comemora a chegada de cada velejador, que completa a prova
ao longo do famoso canal de acesso ao porto da cidade.
Vou falar-lhes neste post do
terceiro tópico que me encanta na Vendée Globe e futuramente comentarei dos
outras sete.
tópico n° 3 - solidariedade
humana
Os corajosos marujos e marujas
que disputam o imenso percurso da Vendée Globe palmo a palmo, jarda a jarda,
milha a milha, com unhas e dentes, a ferro e fogo, com garra e ímpeto do mais
selvagem dos gladiadores romanos, transformam- se num passe de mágica, em anjo
da guarda dos mais fieis e dedicados, a partir do momento que recebem um pedido
de socorro de um outro concorrente.
É o que está acontecendo neste
exato momento, amigos.
O Marc Guillemot abandonou
voluntariamente a regata, para socorrer o Yann Eliès, que fraturou o fêmur
ontem de manhã durante uma manobra de troca de velas.
Passaram a noite aquartelados
lado a lado no meio do oceano gelado das altas latitudes, um fornecendo calor
humano e apoio moral ao outro. Querem saber a primeira coisa que o Marc disse
pro Yann.
- Tô na área, pode contar comigo meu
irmão!
- Mas e a regata? Você abandonou a
regata por minha causa Marc?
- Regata? Quem falou em regata? Eu já
esqueci da regata. Estou aqui do seu lado, pra lhe ajudar no que for preciso e
daqui só saio quando a fragata australiana que está vindo lhe socorrer chegar.
Lindo isso, não? Um exacerbado
concorrente que se metamorfoseia de repente no mais solidário e compassivo dos
anjos da guarda.
O nome disso é SOLIDARIEDADE
HUMANA, meus irmãos!
-
Gostaria de perguntar-lhes uma coisa. O que mais o Marc Guillemot
poderia fazer pelo Yann Eliès além de dar-lhe o precioso apoio moral. Não sei
se vocês estão ligados mas a situação é a seguinte:
- O Yann Eliès está com o fêmur
fraturado e deitado no interior do seu Open 60, sem condições de se movimentar.
Só pra vocês terem uma idéia da gravidade da situação, até ontem à noite,
apesar de estar se contorcendo em dores, ele não conseguira nem pegar os
analgésicos na sua farmácia, a dois metros de distância de onde ele se encontra
caído.
- Corta!
- O Marc Guillemot que velejou 100
milhas a toda brida até chegar ao lado do veleiro do Yann Eliès, ontem, por
volta das 23 horas, está aquartelado a menos de uma milha de distancia. A
pergunta que lhes faço é a seguinte. - O que mais poderia o Marc fazer pelo
Yann? Outra pergunta, após o salvamento do Yann Eliès pela fragata australiana,
o que será feito do seu intacto bólido alado?
Escrevi demais hoje. É que a
Vendée Globe me apaixona.
Me desculpem, todo apaixonado é
inconveniente.
Bons ventos
Fernando “Estrela d’Alva” Costa
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