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quinta-feira, 12 de abril de 2012

(14/12/2008) - Mulher sedutora, irresistível, fatal - Diário da Vendée Globe 2008/09 - post 37







37° dia


Vendée Globe


Mulher sedutora, irresistível, fatal 


...enquanto você desfila de pé no bico de proa do seu bólido alado, agitando um fumígeno vermelho em cada uma das mãos..."


Esses cascudos marujos que correm a Vendée Globe, amigos, são todos apaixonados por ela. Tão apaixonados quanto Bentinho o é por Capitu, no mais importante romance escrito em brasileiro. A propósito, vi o último capitulo da mini novela televisiva do Luís Fernando Carvalho e gostei dele bem menos do que dos demais. Diria até que o diretor deixou o caldo entornar no final, sem de forma alguma corroborar a grosseira crítica do Diogo Mainardi. Se é que se pode chamar o texto que ele publicou na revista Veja de crítica. Aquilo mais parece um sapato virtual atirado contra o rosto do autor da única telenovela brasileira que mereceu ir ao ar.


Mas deixemos de lado esse assunto, que a mais interessante das novelas vale menos que a pior das regatas e que a melhor das regatas não vale o sublime prazer de "velejar por velejar". Coisa fabulosa que a maioria dos velejadores brasileiros negligencia. Aliás, diga-se de passagem, que aqui em Cabo Frio você só tem o direito de sair pra MAR pra pescar ou
participar de regatas. Ai de você, se alguém lhe flagrar saindo pra MAR pra pensar ou ler ou escrever ou "velejar por velejar", como eu venho fazendo escondido, há mais de três anos. Pisssttttt.. . Que isto morra aqui entre nós. Se não, meu destino será mais trágico que o do infeliz Gaspar Hauser ( exagero ).

Mas o que eu queria dizer-lhes, amigos, é que esses cascudos marujos que correm a incrível, fantástica, extraordinária Vendée Globe são todos perdidamente apaixonados por ela. Vários são os sintomas dessa desenfreada e perigosa paixão, que os faz arriscar a pele nos mares mais bravios do planeta. Falaremos disso mais adiante. E vários são os motivos que os levam a disputar, de quatro em quatro anos, os favores dessa mulher sedutora, irresistível, fatal.

Vou citar um só. O mais importante, suponho. A sagração digna de um herói grego, que a população de Sables d'Olonne dedica a cada marujo ou maruja que regressa ao porto da cidade, após ter circunavegado o planeta. Pra população de Sables d'Olonne, amigos, todos os que completam o enorme percurso são vencedores e portanto dignos da mesma e calorosa aclamação. Uma verdadeira apoteose que nem as escolas de samba vencedoras do desfile da Sapucaí conhecem. Tanto faz se você chegar em primeiro ou último lugar. Imagine, amigo velejador, 300 000 pessoas de pé ao longo do extenso canal de Sables d'Olonne ( alcunhado de "Champs Élysées Maritimes" ) , apitando, buzinando, queimando belos fogos de artifício, bebendo excelente vinho à sua saúde, exibindo cartazes de louvor à sua nobre figura, escrito em letras garrafais e melhor e mais emocionante que tudo, gritando seu nome em coro no cúmulo, no auge, no êxtase do entusiasmo, enquanto você desfila de pé no bico de proa do seu bólido alado, agitando um fumígeno vermelho em cada uma das mãos. Isso sem falar nas centenas de barcos que teriam ido ovacioná-lo fora da barra e logo após acompanhado seu bólido alado até a entrada do canal, em ruidosa e alegre procissão. Lembrem-me, por favor, de ver esse espetáculo ao vivo antes de morrer.

Mas não é nada fácil merecer essa famosa sagração do povo de Sables d'Olonne. É preciso ter completado a prova. É preciso ter concluído o hercúleo trabalho de dar uma volta ao mundo, a bordo de um veleiro, em solitário, sem escalas, sem assistência e passando pelos três míticos e temíveis cabos Boa Esperança, Leewin e Horn.

Bernard Stamm tentou três vezes saborear essa cobiçada glória terrena, com a qual eu só conheço um brasileiro que também sonha. Sabem de quem estou falando, não? Do seu, do meu, do nosso grande amigo e incentivador Hombisveb*, que com sua suculenta coluna semanal, que vai completar 8 anos, já fez mais pela vela nacional, que todos os ministros dos esportes que o Brasil já teve juntos. Oxalá ele consiga realizar seu antigo sonho. Que foi só pra isso que nascemos neste mundo de Deus e do diabo, amigos. Realizar nossos sonhos mais excêntricos.

Bernard Stamm, coitado, acabou de perdê-la pela terceira vez consecutiva, essa tão desejada glória terrena, ser sagrado herói nacional pelo democrático e animado povo de Sables d'Olonne.
Abandonou a prova em 2000 e teve sua partida anulada em 2004, por um motivo que lhes deixo pesquisar.
Desta feita, amigos, Benard Stamm procurou abrigo, neste último domingo à tarde nas ilhas Kerguelen, e o abrigo transformou- se-lhe em armadilha fatal. Buscava proteção e apoio para consertar os lemes avariados do seu bólido alado e acabou tornando-se vítima e espectador do mais terrível dos espetáculos, para um velejador. Ver seu veleiro em cima das pedras, torturado pelo impiedoso chicote, feito de violentas vagas, da sádica Netuna.
Já que o incansável e super simpático velejador Bernard Stamm não terá a honra de receber a calorosa aclamação do povo de Sables d'Olonne, eu lhe farei agora mesmo uma pequena homenagem, citando sua expressiva biografia neste meu humilde diário.
O experiente velejador suíço Bernard Stamm, a bordo do seu bólido alado "Cheminées Poujoulat", sinistrado nesse último domingo no longíquo arquipélago Kerguelen.

BIOGRAFIA RESUMIDA DO BERNARD STAMM EM 5 TÓPICOS

* Bernard Stamm conheceu o inenarrável prazer de velejar, aos dois anos de idade, em companhia do seu pai.
** Mais tarde tornou-se lenhador, depois mecânico e só redescobriu a divina mar aos 21 anos como marujo, embarcando em vários navios cargueiros.
*** Aos 24 anos trabalhou num estaleiro em Lausanne/Suíça, durante um ano.
**** Impossibilitado de comprar, por falta de recursos próprios, seu primeiro veleiro, Bernard Stamm resolveu construí-lo com as próprias mãos e só conseguiu concluí-lo, com a ajuda do gentil povo do pequeno vilarejo francês ( e não suíço como pensava meu amigo ZB* ) de Lesconil na Bretanha, que o adotou como filho. O amigo leitor já viu a humilde população de uma cidadezinha ajudar, de todas as formas possíveis, um marujo estrangeiro a construir seu veleiro? Eu jamais. O que acabei de ver indignado, foi alguns desonestos habitantes de uma certa cidade brasileira surrupiarem os donativos enviados para seus irmãos, vítimas de uma trágica inundação. Imperdoável!

*****Pronto seu veleiro, Bernard Stamm iniciou uma brilhante carreira de velejador regatista de alto mar que culminou com vitória em duas Velux 5 Oceans consecutivas.

www.bernardstamm.com
www.bernardstamm.tv

Bons ventos amigas e amigos e que vocês jamais vejam seus preciosos veleiros em cima das pedras.

Fernando "Estrela d'Alva" Costa

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