32° dia
até a hora do juízo final
Belo e ousado autoretrato do Loïck Peyron no alto do mastro do seu bólido alado, que se partiu ontem em três pedaços, inviabilizando seus sonhos de vitória, acalentados durante os últimos quatro anos. Pena.
Eu sei amigos e amigas
Eu sei muito bem que um veleiro é uma simples/complexa coisa destrutível, como tudo que existe sobre a superfície do planeta Terra. Somos todos e tudo perecíveis, já sei. Tudo que tem forma, volume, cor, textura, massa, peso e ocupa um espaço pequeno ou grande no mundo real é perecível, destrutível, condenado a extinguir-se sem deixar vestígios ao cabo de uma existência longa ou efêmera. Sei muito bem disso e não preciso que vocês mo digam. De nós criaturas viventes ou objetos inanimados existentes, se preserva
na melhor das hipóteses um mísero fóssil.
Só que a chance de nossa transformação em fóssil é mais improvável que...
Não, não pretendo prolongar esta elucubração filosófico-existenci al, só queria dizer-lhes uma coisa que ainda não disse.
Que "tristíssima tristeza me entristece" diante de um veleiro sinistrado! Eu adoraria que todos os veleiros fossem indestrutíveis. Sério. E dos acidentes que podem destruir um veleiro, encalhe em praia, incêndio em alto mar, massacre contra uma costa rochosa pelas sádicas vagas da mar, naufrágio ou perda do mastro, não sei explicar-lhes porque, o que mais de me deprime de ver é este último, a perda do mastro.
Fiquei arrasado com a perda do mastro do ágil e elegante "Gitana Eighty" do experiente veterano Loïck Peyron.
Ele vinha velejando tão confiante, tão senhor de si , tão mestre da situação e da regata, que é de se lamentar e muito sua tragédia. A perda do mastro de um veleiro em pleno vôo é sempre uma tragédia. Uma tragédia mais trágica que o incêndio de uma casa, ou do que o choque, por mais violento que seja, de um veículo automotivo contra um poste.
Não sei explicar porque penso isto, mas é isto que penso e sinto. É num momento como este que entendo porque o Marcel Bardiaux construiu o "Inox", todo em aço inox, e com 50 compartimentos estanques. Ele não admitia em hipótese alguma ver seu querido, belo e ágil veleiro perecer. E quando o "Inox" foi jogado contra uma costa rochosa por uma tempestade, Bardiaux que pretendia ser o primeiro velejador solitário centenário do mundo, morreu de desgosto. Tudo entendido.
Antes de encerrar este capítulo vou contar uma estorinha vivida pra vocês. Estava eu dormindo no fundo da minha inseparável canoa alada, quando fui acordado de madrugada por um choque num dos estais da "Estrela", que naquela época subiam até o tope do mastro, que nada mais era que uma escora fina de eucalipto. Não a original que mestre Nils implantou, mas uma outra que eu e meu amigo/colaborador Aguavel* instalamos. Ao choque seguiu-se uma fração de segundo depois o grito de dor de um pássaro. No dia seguinte encontrei uma gaivota de asa quebrada na praia. Pois bem a visão daquela bela e moribunda gaivota, um ser vivo sofrendo, não me deixou mais triste que ver um veleiro com o mastro quebrado. Alguém aí pode me explicar essa incongruência. Sofrer mais pela dor fictícia de um objeto, que pela dor real de um ser vivo tão charmoso, tão belo quanto uma gaivota?
Mas enquanto que o tubarão Loïck Peyron ruma pra terra, a menos de sete nós de velocidade, a bordo do seu pássaro de asas decepadas, o tubarão-professor, Michel "Foncia" Desjoyeaux ultrapassou o também tubarão Mike "Ecover" Golding, mais o peixe-grande Sébastien "BT" Josse, vulgo Jôjô e embarcou na locomotiva do trem da regata. Inacreditável. A pergunta que todos se fazem atualmente é.
- Será que ele vai disparar na frente de toda a flotilha ou adotar uma atitude mais conservadora a partir do momento que assumir a liderança?
Enquanto isso o peixe-grande suíço Bernard Stamm, cuja corrida de recuperação foi ainda mais fantástica que a do Michel Joyeaux, já vimos porque, aproximou-se perigosamente de Brian "Bahrain Team Pindar" Thompson. Tá ligada amiga leitora?
É amigos, se nada de mais extraordinário acontecer daqui até o fim da regata, esta edição da Vendée Globe entrará para a história como aquela em que Bernard Stamm, a "rocha suíça", mais Michel Desjoyaux, o "professor francês" deram um show de inteligência, força de vontade e sabedoria, realizando as duas mais fantásticas cavalgadas de recuperação, de que se tem notícia numa regata de volta ao mundo, em solitário, a bordo de um veleiro.
Curiosos pra saber de que forma as outras edições da incrível, fantástica, extraordinária Vendée Globe entraram para a história? Vou satisfazer-lhes já já a curiosidade. O que eu não faço pelos meus prezados leitores? Leiam:
1ª Vendée Globe (1989-1990 ) - entrou para a história, como aquela em que o mesmo Loïck Peyron, que acabou de perder o mastro do seu veleiro, salvou das águas Philippe "Fleury Michon X" Poupon, chegando em segundo, quase primeiro lugar.
2ª Vendée Globe ( 1992-1993 ) - entrou para a história, como aquela em que Bertrand du Broc costurou a própria língua.
3ª Vendée Globe (1996-1997 ) - entrou para a história, como aquela em que Pete Goss salvou espetacularmente das águas, Raphaël Dinelli, que participa atualmente e pela quarta vez de uma Vendée Globe.
4ª Vendée Globe ( 2000-2001 ) - entrou para a história, como aquela em que a pequenina Ellen McArthur quase venceu a regata.
5ª Vendée Globe ( 2004-2006 ) - entrou para história, como aquela em que Mike Golding, perdeu o bulbo da sua quilha e no entanto conseguiu terminar a prova em terceiro lugar.
´´´´´´´´´´
"- O que você pretende fazer pescador?
- Lançá-lo à mar. Se você tinha lá ficado mil oitocentos e tantos anos, vou agora deixá-lo ficar até a hora do juízo final."
LIVRO DAS MIL E UMA NOITES
traduzido diretamente do árabe por Mamede Mustafa Jarouche
Boa noite amigos e amigos
Enquanto nós vamos dormir mais tarde, tranqüilos em nossas camas quentes e imóveis, amigos, a temerária flotilha da Vendée Globe vai atravessar ao longo desta noite o inóspito gargalo existente entre a ilha Heard e as Kerguelen, assolado por violentas rajadas de vento, cambiantes em direção e intensidade. Isso sem falar das grandes vagas feitas de água gelada, que parecem correr em todas as direções. Tudo isso acima dos 50° graus de latitude sul. Lá onde o celular de Deus costuma não responder a chamadas. Voce liga pra ele e... - A Claro informa, o celular de Deus encontra-se desligado ou fora de área. Oxalá nenhum deles sofra avarias ao longo desta noite curta, clara, mas longa, muito longa, de lua quase cheia.
Fernando "Estrela d'Alva" Costa
até a hora do juízo final
Belo e ousado autoretrato do Loïck Peyron no alto do mastro do seu bólido alado, que se partiu ontem em três pedaços, inviabilizando seus sonhos de vitória, acalentados durante os últimos quatro anos. Pena.
Eu sei amigos e amigas
Eu sei muito bem que um veleiro é uma simples/complexa coisa destrutível, como tudo que existe sobre a superfície do planeta Terra. Somos todos e tudo perecíveis, já sei. Tudo que tem forma, volume, cor, textura, massa, peso e ocupa um espaço pequeno ou grande no mundo real é perecível, destrutível, condenado a extinguir-se sem deixar vestígios ao cabo de uma existência longa ou efêmera. Sei muito bem disso e não preciso que vocês mo digam. De nós criaturas viventes ou objetos inanimados existentes, se preserva
na melhor das hipóteses um mísero fóssil.
Só que a chance de nossa transformação em fóssil é mais improvável que...
Não, não pretendo prolongar esta elucubração filosófico-existenci al, só queria dizer-lhes uma coisa que ainda não disse.
Que "tristíssima tristeza me entristece" diante de um veleiro sinistrado! Eu adoraria que todos os veleiros fossem indestrutíveis. Sério. E dos acidentes que podem destruir um veleiro, encalhe em praia, incêndio em alto mar, massacre contra uma costa rochosa pelas sádicas vagas da mar, naufrágio ou perda do mastro, não sei explicar-lhes porque, o que mais de me deprime de ver é este último, a perda do mastro.
Fiquei arrasado com a perda do mastro do ágil e elegante "Gitana Eighty" do experiente veterano Loïck Peyron.
Ele vinha velejando tão confiante, tão senhor de si , tão mestre da situação e da regata, que é de se lamentar e muito sua tragédia. A perda do mastro de um veleiro em pleno vôo é sempre uma tragédia. Uma tragédia mais trágica que o incêndio de uma casa, ou do que o choque, por mais violento que seja, de um veículo automotivo contra um poste.
Não sei explicar porque penso isto, mas é isto que penso e sinto. É num momento como este que entendo porque o Marcel Bardiaux construiu o "Inox", todo em aço inox, e com 50 compartimentos estanques. Ele não admitia em hipótese alguma ver seu querido, belo e ágil veleiro perecer. E quando o "Inox" foi jogado contra uma costa rochosa por uma tempestade, Bardiaux que pretendia ser o primeiro velejador solitário centenário do mundo, morreu de desgosto. Tudo entendido.
Antes de encerrar este capítulo vou contar uma estorinha vivida pra vocês. Estava eu dormindo no fundo da minha inseparável canoa alada, quando fui acordado de madrugada por um choque num dos estais da "Estrela", que naquela época subiam até o tope do mastro, que nada mais era que uma escora fina de eucalipto. Não a original que mestre Nils implantou, mas uma outra que eu e meu amigo/colaborador Aguavel* instalamos. Ao choque seguiu-se uma fração de segundo depois o grito de dor de um pássaro. No dia seguinte encontrei uma gaivota de asa quebrada na praia. Pois bem a visão daquela bela e moribunda gaivota, um ser vivo sofrendo, não me deixou mais triste que ver um veleiro com o mastro quebrado. Alguém aí pode me explicar essa incongruência. Sofrer mais pela dor fictícia de um objeto, que pela dor real de um ser vivo tão charmoso, tão belo quanto uma gaivota?
Mas enquanto que o tubarão Loïck Peyron ruma pra terra, a menos de sete nós de velocidade, a bordo do seu pássaro de asas decepadas, o tubarão-professor, Michel "Foncia" Desjoyeaux ultrapassou o também tubarão Mike "Ecover" Golding, mais o peixe-grande Sébastien "BT" Josse, vulgo Jôjô e embarcou na locomotiva do trem da regata. Inacreditável. A pergunta que todos se fazem atualmente é.
- Será que ele vai disparar na frente de toda a flotilha ou adotar uma atitude mais conservadora a partir do momento que assumir a liderança?
Enquanto isso o peixe-grande suíço Bernard Stamm, cuja corrida de recuperação foi ainda mais fantástica que a do Michel Joyeaux, já vimos porque, aproximou-se perigosamente de Brian "Bahrain Team Pindar" Thompson. Tá ligada amiga leitora?
É amigos, se nada de mais extraordinário acontecer daqui até o fim da regata, esta edição da Vendée Globe entrará para a história como aquela em que Bernard Stamm, a "rocha suíça", mais Michel Desjoyaux, o "professor francês" deram um show de inteligência, força de vontade e sabedoria, realizando as duas mais fantásticas cavalgadas de recuperação, de que se tem notícia numa regata de volta ao mundo, em solitário, a bordo de um veleiro.
Curiosos pra saber de que forma as outras edições da incrível, fantástica, extraordinária Vendée Globe entraram para a história? Vou satisfazer-lhes já já a curiosidade. O que eu não faço pelos meus prezados leitores? Leiam:
1ª Vendée Globe (1989-1990 ) - entrou para a história, como aquela em que o mesmo Loïck Peyron, que acabou de perder o mastro do seu veleiro, salvou das águas Philippe "Fleury Michon X" Poupon, chegando em segundo, quase primeiro lugar.
2ª Vendée Globe ( 1992-1993 ) - entrou para a história, como aquela em que Bertrand du Broc costurou a própria língua.
3ª Vendée Globe (1996-1997 ) - entrou para a história, como aquela em que Pete Goss salvou espetacularmente das águas, Raphaël Dinelli, que participa atualmente e pela quarta vez de uma Vendée Globe.
4ª Vendée Globe ( 2000-2001 ) - entrou para a história, como aquela em que a pequenina Ellen McArthur quase venceu a regata.
5ª Vendée Globe ( 2004-2006 ) - entrou para história, como aquela em que Mike Golding, perdeu o bulbo da sua quilha e no entanto conseguiu terminar a prova em terceiro lugar.
´´´´´´´´´´
"- O que você pretende fazer pescador?
- Lançá-lo à mar. Se você tinha lá ficado mil oitocentos e tantos anos, vou agora deixá-lo ficar até a hora do juízo final."
LIVRO DAS MIL E UMA NOITES
traduzido diretamente do árabe por Mamede Mustafa Jarouche
Boa noite amigos e amigos
Enquanto nós vamos dormir mais tarde, tranqüilos em nossas camas quentes e imóveis, amigos, a temerária flotilha da Vendée Globe vai atravessar ao longo desta noite o inóspito gargalo existente entre a ilha Heard e as Kerguelen, assolado por violentas rajadas de vento, cambiantes em direção e intensidade. Isso sem falar das grandes vagas feitas de água gelada, que parecem correr em todas as direções. Tudo isso acima dos 50° graus de latitude sul. Lá onde o celular de Deus costuma não responder a chamadas. Voce liga pra ele e... - A Claro informa, o celular de Deus encontra-se desligado ou fora de área. Oxalá nenhum deles sofra avarias ao longo desta noite curta, clara, mas longa, muito longa, de lua quase cheia.
Fernando "Estrela d'Alva" Costa
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