“Eh marinheiros, gajeiros! eh tripulantes, pilotos!
Navegadores, mareantes, marujos, aventureiros!
Eh capitães de navios! homens ao leme e em mastros!
Homens que dormem em beliches rudes!
Homens que dormem com o Perigo a espreitar pelas vigias!
Homens que dormem com a Morte por travesseiro!
Homens que têm tombadilhos, que têm pontes donde olhar
A imensidade imensa do mar imenso!
Eh manipuladores dos guindastes de carga!
Eh amainadores de velas, fagueiros, criados de bordo!
Homens que metem a carga nos porões!
Homens que enrolam cabos no convés!
Homens que limpam os metais das escotilhas!
Homens do leme! homens das máquinas! homens dos mastros!
Eh-eh-eh-eh- eh-eh-eh!
Gente de boné de pala! Gente de camiseta de malha!
Gente de âncoras e bandeiras cruzadas bordadas no peito!
Gente tatuada! gente de cachimbo! gente de amurada!
Gente escura de tanto sol, crestada de tanta chuva,
Limpa de olhos de tanta imensidade diante deles,
Audaz de rosto de tantos ventos que lhes bateram a valer!
Eh-eh-eh-eh- eh-eh-eh!
Homens que vistes a Patagônia!
Homens que passastes pela Austrália!
Que enchestes o vosso olhar de costas que nunca verei!
Que fostes a terra em terras onde nunca descerei!
E fizestes tudo isso como se não fosse nada,
Como se isso fosse natural,
Como se a vida fosse isso,
Como nem sequer cumprindo um destino!
Eh-eh-eh-eh- eh-eh-eh!
Homens do mar atual! homens do mar passado!
Comissários de bordo! escravos das galés! combatentes de Lepanto!
Piratas do tempo de Roma! Navegadores da Grécia!
Fenícios! Cartagineses! Portugueses atirados de Sagres
Para a aventura indefinida, para o Mar Absoluto, para realizar o Impossível!
Eh-eh-eh-eh- eh-eh-eh- eh-eh!
A vós todos num, a vós todos em vós todos como um,
A vós todos misturados, entrecruzados.
A vós todos sangrentos, violentos, odiados, temidos, sagrados,
Eu vos saúdo, eu vos saúdo, eu vos saúdo!
Eh-eh-eh-eh eh! Eh eh-eh-eh eh! Eh-eh-eh eh-eh-eh eh!
Eh lahô-lahô laHO-lahá-á-á-à-à !
Quero ir convosco, quero ir convosco,
Ao mesmo tempo com vós todos
Pra toda a parte pra onde fostes!
Quero encontrar vossos perigos frente a frente,
Sentir na minha cara os ventos que engelharam as vossas
Cuspir dos lábios o sal dos mares que beijaram os vossos
Ter braços na vossa faina, partilhar das vossas tormentas
Chegar como vós, enfim, a extraordinários portos!
Fugir convosco à civilização!
Perder convosco a noção da moral!
Sentir mudar-se no longe a minha humanidade!
Beber convosco em mares do Sul
Novas selvajarias, novas balbúrdias da alma,
Novos fogos centrais no meu vulcânico espírito!
Ir convosco, despir de mim - ah! põe-te daqui pra fora! -
O meu traje de civilizado, a minha brandura de ações,
Meu medo inato das cadeias,
Minha pacífica vida,
A minha vida sentada, estática, regrada e revista!
No mar, no mar, no mar, no mar,
Eh! pôr no mar, ao vento, às vagas,
A minha vida! “
Fernando Pessoa
Lembro-me que no mês de novembro do ano passado tive o prazer de ler alguns largos extratos desse perigoso, belo e quilométrico poema para os gentis proprietários e simpática tripulação da inesquecível escuna “Dália”, em Búzios, por ocasião da segunda regata de barcos clássicos, promovida pelo ICAB e organizada pela Media Mundi.
Porque considero a “Ode Marítima” um poema perigoso? Porque já quase morri na MAR por culpa dele e não da MAR, que pode ser eventualmente violenta, mas jamais assassina.
- Tomem cuidado amigos! Estão ligados? Tomem muito cuidado com esse perverso poema do meu poeta predileto.
- Porque perverso?
- Deixo vocês descobrirem porque. Só espero que não seja tarde demais...
- Queria dizer que não gosto da segunda parte do poema. Não sou, nunca fui sadomasoquista. Pelo contrário sou hedonista. Portanto só gosto do poema até estes versos aqui:
“Salgar de espuma arremessada pelos ventos
Meu paladar das grandes viagens.”
A seqüencia é de uma selvageria crescente que me apavora, a mim que não consigo conceber, praticar, nem mesmo presenciar a violência de um homem contra outro homem ou ser vivo qualquer...
- E vocês, o que me dizem da fabulosa “Ode Marítima” de Fernando Pessoa?
Bons ventos a todos
Fernando Costa
Newsletter n° 8 de 17 de abril de 2008
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