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segunda-feira, 9 de abril de 2012

(13/12/2008) - A buja tesada pela escota - Diário da Vendée Globe 2008/09 - post 36











36° dia  


Vendée Globe



A buja tesada pela escota 


O belo e ágil "Cheminées Poujoulat" do simpático e experiente suiço Bernard Stamm foi jogado em cima das ponteagudas e geladas pedras do "arquipélago da desolação". Lamentável!  


Muito bom dia amigas e amigos leitores


Não sei se vocês estão ligados, mas o artista plástico mais famoso do século XX escreveu uma enigmática peça de teatro chamada "O desejo pego pelo rabo". Eu a li e achei super interessante, há uns tempos atrás, e resolvi hoje, não me perguntem porque, que eu sinceramente não sei, resolvi portanto hoje, utilizando o mesmo processo criativo de que Pablo Picasso lançou mão para criar sua peça, escrever um poema intitulado "a buja tesada pela escota" em homenagem a esta incrível, fantástica, extraordinária regata que é a Vendée Globe. Espero que vocês gostem. Se não gostarem segue-se um
extrato da bela e quilométrica ODE MARÍTIMA do grande Fernando Pessoa, na pele de Álvaro de Campos, do qual vocês com certeza gostarão. Ei-lo.

A BUJA TESADA PELA ESCOTA

duro é resistir ao frio e à solidão
cheguei aos 32 nós em algumas surfadas
o vento superou a previsão
o jeito foi arribar, enrolar o gennaker e arriar a mestra
estou um caco
três tiveram que abandonar a regata
perigoso demais
atravessamos um nevoeiro muito espesso
aventura, sofrimento, prazer, desafios a vencer
não deu tempo de rizar as velas
as nuvens negras de chuva eram de apavorar


meu pé continua inchado

essas variações de vento dão muito trabalho
o barco está ferido
o vento vai refrescar ainda mais esta noite
estou com a buja de temporal e a grande no terceiro rizo
tenho de prestar mais atenção
o que mais me inquieta são os icebergs
é a calma que antecede a tempestade
detesto quando a MAR espanca meu veleiro

o dia mais longo do ano está próximo 


um crepúsculo azul sem fim


mas nós vamos alcançá-los


a MAR ainda estava grossa hoje de manhã


vamos cair fora, rápido!


nuvens pejadas de chuva e de vento


dava medo de andar no convés


meu piloto automático já era 


o difícil é conseguir aquecer as mãos e os pés após as manobras


os rolamentos estão mastigados, quebrados


o vento chegou a 40 e as rajadas ultrapassaram os 60 nós


ainda falta muito pra acabar


não vai dar! não vai dar!


a adriça da grande tá prestes a romper-se


tive que me virar com tudo em cima durante 16 horas


fomos jogados em cima das pedras


aproveitei pra tomar um banho


tarde demais! 


há também o aspecto humano


a visibilidade se reduziu a 150 metros


espero que meu estado não se agrave


acabei de tirar um fino de um iceberg


o veleiro tá fazendo muita água, com a popa esmagada 


dias difíceis


o barco tá flutuando, mas não poderá mais navegar 


pior que o frio é a umidade


nunca se sabe quando vai quebrar


tinha medo de olhar as ondas que vinham pela popa


minha genoa rasgou  


a MAR estava linda


continuo a mancar


difícil é encontrar a combinação ideal de velas


primeiro vamos deixar o mau tempo passar


teremos ainda de atravessar todo Pacífico


nessa eu me ferrei


é por isso que esta regata é maravilhosa


uma nova porranca tá prevista pra amanhã


mas a opção mais ao sul pagou bem


Michel e Sam chegaram a vê-los


fui obrigado a jaibear várias vezes durante a noite


belo espetáculo


quem arriscar mais vai disparar na frente  


cheguei a pensar em abandonar o barco


ela deu sorte de pegar o vento antes de mim


gostei dessa experiência noturna


meus lemes não chegaram a quebrar


é bom sentir de novo o calor do sol


até agora não encontrei solução pro meu problema


o barco avançava a mil por hora


dose pra leão 


morri de medo que o mastro despencasse 


cada qual tem de se superar


ontem o pau quebrou


de repente ficou tudo cinza, a MAR, o céu, tudo


o vento me empurrou pra cima das ilhas

mas ainda tenho esperanças

meu barco tá pronto pra encarar o mau tempo


tô tentando agüentar a pressão


os quatro primeiros deram uma escapada


já não sabia mais o que fazer  


a neve comeu solta


de repente a lua apareceu o a noite ficou linda


podia ter batido de proa num iceberg


´´´´´´´´´´´´´´´´´´
Esse curioso poema ( se é que podemos chamá-lo assim ) foi escrito através da combinação aleatória de extratos curtos de mensagens enviadas pelos velejadores abaixo listados, da incrível, fantástica, extraordinária Vendée Globe, durante as últimas 24 horas, ao longo das quais grande parte de flotilha foi varrida por uma violenta tempestade.

Brian Thompson (Bahrain Team Pindar)
Yann Eliès (Generali)
Rich Wilson (Great American III)
Mike Golding (Ecover 3)
Vincent Riou (PRB)
Sébastien Josse (BT)
Samantha Davies (Roxy)
Roland Jourdain (Veolia Environnement)
Arnaud Boissières (Akena Vérandas)
Armel Le Cléac’h (Brit Air)
Bernard Stamm (Cheminées Poujoulat)

Jonny Malbon (Artemis)  

Dominique Wavre (Temenos II)

Para aqueles que não gostaram de "A buja tesada pela escota" aqui vai um dos meus extratos prediletos da alucinante "Ode Marítima". Deste poema aposto que todos vão gostar.

"E vós, ó coisas navais, meus velhos brinquedos de sonho!
Componde fora de mim a minha vida interior!
Quilhas, mastros e velas, rodas do leme, cordagens,
Chaminés de vapores, hélices, gáveas, flâmulas,
Galdropes, escotilhas, caldeiras, coletores, válvulas;
Caí por mim dentro em montão, em monte,
Como o conteúdo confuso de uma gaveta despejada no chão!
Sede vós o tesouro da minha avareza febril,
Sede vós os frutos da árvore da minha imaginação,
Tema de cantos meus, sangue nas veias da minha inteligência,
Vosso seja o laço que me une ao exterior pela estética,
Fornecei-me metáforas imagens, literatura,
Porque em real verdade, a sério, literalmente,
Minhas sensações são um barco de quilha pro ar,
Minha imaginação uma ancora meio submersa,
Minha ânsia um remo partido,
E a tessitura dos meus nervos uma rede a secar na praia!"

Álvaro de Campos

Bons ventos e até mais tarde amigos e amigas

Fernando "Estrela d'Alva" Costa


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