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sábado, 25 de setembro de 2010

Em vez da maldita escola, um barco à vela - newsletter n° 18/2008

- Você tem sete filhos, não Juberto?
- Exato, e você amigo Fernando, tem quantos?- Eu? Que eu saiba nenhum.
- Nenhum?
- Nenhum! Imagino que seja difícil para um homem que possui sete filhos, aceitar que outro tenha nenhum...
- Absolutamente amigo Fernando, cada um que sabe de si.  


- Sabe o que eu faria se tivesse sete filhos como você, amigo Juberto?
- Não.
- Curioso pra saber?
- Muito.
- Sortearia um deles e em vez de mandá-lo pra maldita escola, dava-lhe de presente um barco à vela.
- Estranho conselho...
- Aposto com você que em pouco tempo ele se tornaria o mais esperto dos sete.
- Esperto em que sentido?
- Inteligente, habilidoso, criativo, sagaz, clarividente, apto enfim para a sobrevivência...
- Na MAR ou em terra?
- Em ambos!


- Tem certeza amigo Fernando?
- Certeza, só duas neste mundo de DEUS e do diabo, metade pra cada um. Primeira – do nascimento do sol amanhã de manhã. Segunda: - da morte ao fim da vida. De preferência na MAR.
“ É doce morrer na MAR
Nas águas verdes da MAR”
- Sabe quem escreveu e cantou isto várias vezes?
- Dorival Caymmi, que infelizmente acaba de morrer em terra.
- Já percebeu como é, além de doce, bonito morrer na MAR amigo Juberto?
- Ainda não, e você já amigo Fernando?
- Só no cinema. A única cena interessante do péssimo filme “Pânico em Altomar”, são os corpos dos afogados e melhor ainda da afogada deslizando suavemente pro fundo da MAR... A afogada é linda, loura, esguia e está nua, toda nua... cabelos compridos flutuando à semelhança de algas douradas, na transparente água esverdeada... expressão angelical no rosto... Quando em vida era chatíssima, morta ficou perfeita, graças à magia da divina MAR.


- Não gosto nada do que vem depois...
- Nem eu, os corpos emergem ao terceiro dia, inchados, horrorosamente transfigurados, cheirando terrivelmente mal e roídos de peixe, como diz mestre Caymmi, noutra canção:
“deram com o corpo de Pedro
jogado na praia
roído de peixe sem barco sem nada...”
- Pobres dos Bombeiros!
- No mundo dos meus sonhos, nenhum corpo de afogado boiava nem vinha dar na praia.
- Melhor assim.
- Muito melhor assim... Sabe amigo Juberto, eu não tenho medo algum de morrer na MAR.
- Não?
- Não mesmo, morrer todo mundo vai morrer um dia.
- Verdade.
- Tenho medo sim de outra coisa.
- Posso saber de que?
- Das pessoas olharem pro meu corpo inchado, pro meu rosto transfigurado, pro meu feio cadáver de afogado quando meu corpo boiasse. E aposto com você que todos os meus detratores iam querer ver o meu cadáver.
- Mas porque meu Deus?
- Pra contar pros outros com que cara horrível eu fiquei.
- Tem muitos detratores amigo Fernando?
- Uma meia dúzia de três ou quatro...
- Quais?
- Os mesmos que alardearam mês passado que eu naufraguei com a indômita “Estrela d’Alva”.
- Voltando ao nosso assunto... O ato de se afogar deve ser doloroso, angustiante, não?
- Não mesmo. Já quase me afoguei ao lado da ilha dos Papagaios... é delicioso... você vai perdendo as forças aos poucos... sua cabeça começa a rodar lentamente... Os delírios vão substituindo a razão pouco a pouco... A realidade se confunde com a fantasia... você começa a pensar nos momentos mais agradáveis da sua vida... Nas melhores tre.. perdão, nas melhores velejadas que deu... Você penetra enfim no mundo dos sonhos, onde tudo é possível... Vê imagens fantásticas... Volta à infância. Ouve lindas melodias que nem Mozart foi capaz de compor...

foto: Yann Arthus-Bertrand
- Olha só a conversa tá muito boa, mas mudemos de assunto?
- Mudemos, vim aqui porque descobri que o novo parafuso de aço inox que instalamos, para suportar os ovéns volantes, está limando o super mastro dourado, que mestre Nils me vendeu barato há dois anos atrás. ( Saúde mestre Nils! )
- Isso é mole pra gente! Vamos encontrar já já uma solução pra esse novo problema.
- Gosto quando você diz “Isso é mole pra gente!” Mas já percebeu amigo Juberto como o barco à vela é campeão mundial na criação de problemas?
- Já!
- É por isso, que o sortudo do seu filho, que ganhar do pai-você, um barco à vela de presente, tornar-se-á em pouco tempo, o mais inteligente da ninhada, percebe?
- Creio que sim.
- Uma curiosidade.
- Sim?
- Sabe quantos filhos teve Joshua Slocum, o primeiro homem a dar uma volta ao planeta Terra em solitário?
- Não.
Exatamente sete como você, amigo Juberto, só que todos os sete filhos de mestre Slocum nasceram a bordo dos veleiros que ele comandava...
- Então ele só podia morar a bordo com a família...
- Justamente...
- É... tudo é possível nesse mundo de Deus.
- De Deus e do diabo, metade pra cada um...
- Pode ser...


foto - Henrique Souza

Conversa em parte fictícia, em parte real que tive com meu amigo Juberto Barreto, torneiro mecânico e proprietário da "Serralheria Alvorada" em Cabo Frio. Um dos melhores, talvez o melhor profissional da Região dos Lagos/Costa do Sol que trabalhou no divertido e edificante processo de transformação da “Estrela d’Alva”, de primitiva canoa à vela, para sofisticado veleirinho de fortuna. Aparentemente um frankstein simpático, na minha fantasia, o protótipo do protótipo do primeiro barco à vela popular brasileiro. Projetado para duas pessoas, a ser construído em madeira e compensado naval e vendido ao preço de duas bicicletas simples, ou seja setecentos contos e nem um centavo a mais.

Extrato da newsletter nº 18 de 3/10/2008 – projeto “Estrela d’Alva”

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