Era uma vez um pobre pescador, que habitava uma cabaninha humilde, em companhia da sua mulher, à beira da bela e imensa lagoa de Araruama, num lugar chamado Praia Linda.
- Quando isso?
- Nos anos 50 do século XX.
As águas da lagoa de Araruama eram então transparentes e de uma coloração verde-esmeralda.
Numerosas espécies de peixes e camarões dos grandes nadavam em imensos cardumes por toda parte.
As praias eram cobertas por uma areia branquíssima, cujos grãos cintilavam sob a luz do sol forte do trópico de Capricórnio.
Minuto seguinte uma carapeba mordeu a isca e o pescador puxou-a todo contente pra fora d’água. Quando ia colocá-la dentro do samburá a carapeba disse:
- Por favor amigo pescador, devolva-me pra água antes que eu morra, porque não sou uma simples carapeba, mas uma fada-madrinha feita carapeba.
- Perdão senhora fada-madrinha, disse o pescador e retirou com todo cuidado o anzol da boca da carapeba e a lançou de volta às águas límpidas e esverdeadas da bela e imensa lagoa de Araruama.
A carapeba-encantada desapareceu rapidamente deixando atrás de si um longo rastro de sangue.
- Chegando em casa o pescador contou a incrível estória à sua mulher, que lhe disse.
- Marido você é mesmo ingênuo. Toda pessoa que salva a vida de outra tem o direito de pedir-lhe alguma coisa em troca. Volta lá e peça à carapeba-fada que nos dê uma casinha melhor. Não suporto mais viver nessa cabana suja e infecta.
- No dia seguinte, o pescador que habitava em Praia Linda, dirigiu-se à beira da bela e imensa lagoa de Araruama e gritou assim:
- Carapeeeeeeeeeeebaaaaaaaaa! Carapeeeeeeeba-fada! Carapeeeeeeeba-encantada! Cresça e apareça pra eu te ver!
- Chamou amigo pescador?
Indagou a carapeba pondo a cabeça pra fora d’água que de verde-esmeralda havia se tornado amarelo-ovo. O vento que era ameno tornou-se forte e no céu os cúmulos-de-bom-tempo haviam sido substituídos por uma fieira de estratos tristes e cinzentos.
- Minha mulher, dona carapeba-fada, me mandou pedir-lhe uma casinha melhor pra nós, porque ela não suporta mais viver numa cabana suja e infecta.
- Pode voltar pra junto da sua mulher amigo pescador, que o desejo dela já foi satisfeito.
De fato, voltando para o lugar onde ficava a cabana suja e infecta, em Praia Linda, o pescador encontrou uma casinha simpática, pintada de novo nas cores azul e branco, com sala, dois quartos, quintal e varanda. Dentro estava sua mulher toda sorridente e vestida com um vestido novo de cetim lilás. Os móveis, apesar de simples, eram de madeira de lei e dentro da cristaleira havia um belo aparelho de jantar de porcelana portuguesa.
- E agora mulher está satisfeita com nossa nova casinha azul e branca?
- Sim marido, mas não por muito tempo...
Uma semana depois a mulher do pescador disse-lhe:
- Marido esta casinha, apesar de confortável e bem mobiliada não me agrada mais. Quero uma maior, com dois andares, terraço, piscina, jardim e muitos eletrodomésticos. Procura a tal carapeba-fada e peça-lhe isto. Quem teve sua vida salva da morte, nada pode negar ao seu salvador.
- Carapeeeeeeeeeeebaaaaaaaaa! Carapeeeeeeeba-encantada! Cresça e apareça pra eu te ver!
- Chamou amigo pescador?
Indagou a carapeba pondo a cabeça pra fora d’água que de amarelo-ovo tinha se tornado marron-burro-quando-foge. O vento assoviava irado, torcendo o pescoço dos coqueiros e o céu havia sido tomado por um bando de estratos-cúmulos-com-cara-de-mau.
- Minha mulher, dona carapeba-fada, me mandou pedir-lhe uma casa maior e mais confortável, porque a casinha azul e branca que você nos deu não a agrada mais.
- Pode voltar pra junto da sua mulher, amigo pescador, que o desejo dela já foi satisfeito.
De fato, voltando para o lugar onde ficava a humilde, mas confortável casinha o pescador encontrou uma casa imensa, com duas salas, cinco quartos, 2 quartos de empregada, varanda, jardim, terraço e piscina. Móveis luxuosos, cortinas de veludo, tapetes persas mais carro do ano na garagem. Dentro da casa, com o celular colado na orelha, estava sua mulher vestida com um lindo vestido de viscose violeta.
- E agora mulher, está satisfeita com nossa nova e luxuosa casa?
- Sim marido, mas não por muito tempo...
Uma semana mais tarde, a mulher do pescador ordenou que ele pedisse uma mansão à carapeba-fada-madrinha. O pescador meio a contra-gosto, após ter criticado a ambição da mulher voltou à beira da imensa lagoa de Araruama, em Praia Linda e chamou:
- Carapeeeeeeeeeeebaaaaaaaaa! Carapeeeeeeeba-encantada! Cresça e apareça pra eu te ver!
- Chamou amigo pescador?
Indagou a carapeba-fada pondo a cabeça pra fora d’água, que de marron-burro-quando-foge havia se tornado negra-como-noite-sem-lua e fedorenta como privada-de-botequim. O vento uivando arrancava as amendoeiras da terra com raiz e tudo e no céu uma muralha de cumulos-nimbo avançava despejando chuva-da-grossa e relâmpagos-apocalípticos.
- Lamento importuná-la, dona carapeba-fada, mas minha mulher quer uma mansão.
- Pode voltar pra junto da sua mulher, amigo pescador, que o desejo dela já foi satisfeito.
De fato o pescador encontrou a mulher vestida com um belo vestido de crepe de seda bege, mais um precioso colar de pérolas pendurado no pescoço, no interior duma rica e luxuosa mansão, servida por numerosos empregados, jardineiros, cozinheiros, garçons, mordomos, personal trainings e motoristas.
- E agora mulher, está satisfeita com nossa nova mansão?
- Sim marido, mas não por muito tempo...
Uma semana depois a ambiciosa mulher do pescador mandou que ele voltasse à beira da lagoa de Araruama e pedisse à carapeba-fada, um condomínio fechado com trinta mansões dentro, só pra eles.
- Mulher pelo amor de deus, não. Isso é demais! A carapeba vai zangar-se conosco. Tudo demais faz mal, já dizia minha avó Balbina. E ambição em demasia é véspera de ruína.
A mulher do pescador deu-lhe um violento pontapé no traseiro e vociferou.
- Deixa de ser idiota marido e faça o que mando.
O pescador, tremendo de raiva, por ter sido tão humilhado, voltou à beira da Praia Linda, que de praia linda agora só tinha o nome e chamou pela carapeba-fada como de costume.
- Carapeeeeeeeeeeebaaaaaaaaa! Carapeeeeeeeba-encantada! Cresça e apareça pra eu te ver!
- Chamou amigo pescador?
Indagou a carapeba pondo a cabeça pra fora d’água, que nem era mais água, mas lama pura, uma lama grudenta, fétida e infestada com o perverso vibrião da dengue, mais os mortíferos vírus das piores doenças infecto-contagiosas do mundo.
- Lamento importuná-la mais uma vez dona carapeba-fada-madrinha, mas minha mulher quer um condomínio fechado com trinta mansões dentro, só pra nós.
- Pode voltar pra junto da sua mulher, amigo pescador, que você irá encontrá-la dentro da cabana infecta e suja do início da estória, vestida com seu antigo vestido de brim vagabundo.
fim
Passamos a semana de 10 a 17 de março, amigos, eu e minha querida “Estrela d’Alva”, velejando dentro da, antes maravilhosamente bela lagoa de Araruama e pensando nesta triste estorinha, traduzida muito livremente por mim, da versão francesa do conto “O pescador e sua mulher” dos irmãos Grimm.
Newsletter n° 06/2008 - Cabo Frio, 20 de março de 2008.
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